Neste fim de semana, dias 5 e 6 de julho, Curitiba celebra os 45 anos da passagem do Papa João Paulo II por Curitiba, em 1980. Imagens guardadas pelo Arquivo Público Municipal e pela Casa da Memória revelam o clima contagiante que a ilustre visita causou sobre a população.
A galeria de imagens apresenta também registros feitos por fotógrafos da cidade que acompanharam de perto a inesquecível visita do Papa polonês, que teve um papado de quase 27 anos, um dos pontificados mais longos. Karol Wojtyła foi eleito Papa, em 16 de outubro de 1978, quase dois anos antes da viagem ao Brasil. João Paulo II faleceu em 2005, foi canonizado pelo Papa Francisco, em 2014, e passou a ser São João Paulo II.
Na Prefeitura de Curitiba, a visita do Papa João Paulo II foi conduzida pelo então coordenador da Casa Romário Martins, Rafael Greca, que anos depois tornou-se prefeito da cidade pela primeira vez e atualmente é secretário de Estado de Desenvolvimento Sustentável.
O então prefeito de Curitiba, Jaime Lerner, designou Greca, que era servidor municipal, como representante da Prefeitura nos preparativos para a visita liderados pelo Estado, pelo Governo Federal e pelo Vaticano, Estado-Sede da Igreja Católica.
“Foi a visita mais bonita, a mais emocionante, foi aquela que culminou no altar do Centro Cívico diante de mais de 1 milhão de pessoas”, relembra Rafael Greca. “O Papa fez uma missa muito longa e, depois, a missa foi prolongada até quase 2 horas da tarde, porque o povo gritava em coro: "Ei, ei, ei, o Papa é nosso rei." E depois o povo pedia que o Papa ficasse para sempre em Curitiba. Imagine aquela multidão de polacos, italianos, ucranianos, alemães — todos de fé católica. Ninguém queria deixar o Papa ir embora”, diz ele.
Autoestima redescoberta
Assim como Rafael Greca, a jornalista e pesquisadora Maí Nascimento Mendonça trabalhava na Casa Romário Martins e sentiu de perto a vibração daquele momento vivido pela cidade.
Na sua avaliação, a visita deixou um legado importante.
“A consequência principal da vinda do Papa e que foi quase imediata, foi a autoestima. As pessoas tinham vergonha das suas origens. Aqui todo mundo é filho de imigrante. Os polacos se escondiam, os ucranianos se escondiam, os alemães eram mais urbanos e estavam mais dispersos. Os eslavos, principalmente, tinham vergonha. Depois da visita do Papa, eles se redescobriram. Foi muito legal. Eles passaram a ter orgulho do pão, do sal, da carroça, do pierogi (prato típico), da festa de Natal. A autoestima foi redescoberta”, resume.
Maí recorda que as áreas que mais se envolveram com a visita do Papa dentro da Prefeitura foram a Fundação Cultural de Curitiba e o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano (Ippuc). Ela fala especialmente do engajamento dos servidores da Casa Romário Martins. “Todo mundo da nossa equipe participou, todos animados. Foi uma euforia”, declara.
Ela destaca, entre as lembranças, a da montagem de um peixe desenhado pelo arquiteto Abrão Assad e que deveria ser preenchida com flores para a celebração no estádio do Coritiba.
“Chovia muito naquela semana antes de o Papa chegar. O gramado tinha muita água e nós tínhamos que preencher aquilo com as flores. O encarregado da coleta do lixo arrumou um uniforme alaranjado de nylon para podermos andar ali. Nunca me esqueci”, lembra ela que destaca as canções que as pessoas cantavam para homenagear o Papa.
Afilhada do Papa
A lembrança está viva também para a professora aposentada Maria Cristina Kurecki, de 66 anos, que participava do grupo de dança da Sociedade União Juventus. “Ficamos eufóricos quando soubemos que iríamos dançar para o Papa. Não imaginávamos que teríamos essa oportunidade”, relembra.
Algumas danças do grupo folclórico foram escolhidas para a exibição que foi feita com os trajes típicos da cidade de Cracóvia. No caminho até o estádio, segundo ela, os bailarinos cantavam entusiasmados. “E na hora da apresentação, ficamos muito emocionados. Sabíamos da nossa responsabilidade”, comenta.
“Eu era nova, de fé católica e tive uma emoção imensa. Minha vida mudou depois desse dia. Muitas coisas boas aconteceram”, assegura ela, que tinha 21 anos e já era servidora municipal – professora de Educação Física na Escola Herley Mehl, no bairro Pilarzinho. Maria Cristina recorda que entre as colegas da faculdade era chamada de “afilhada do Papa”.
Ela diz que até os dias de hoje, quando passa perto do estádio ou assiste algum jogo, lembra do dia que dançou para o Papa.
Após a apresentação, as duplas de dançarinos tiveram a oportunidade de ser fotografados com o Papa e receberam um terço das mãos do pontífice. “Ele era uma simpatia”, garante. Algum tempo após a visita, ela recebeu a foto que registrou esse momento, ao lado do seu par na coreografia, Edmundo Rodrigues da Veiga.
O ex-arquiteto do Ippuc Osvaldo Navarro guarda recordações relativas à implantação do Bosque do Papa, um marco da visita do pontífice em 1980. Ele conta que fez a sugestão para a colocação das casas dentro do Bosque. A casa montada no estádio e outras construções da Colônia São Miguel Arcanjo, entre Curitiba e Araucária, estavam ameaçadas pela inundação da Barragem do Passaúna. Por um tempo, elas ficaram guardadas. Depois foram remontadas no Bosque do Papa.
Ele destaca ainda as orientações dadas por Burle Marx para a implantação do Bosque do Papa, que fazia parte do projeto do Centro Cívico de autoria do paisagista. “O Roberto (Burle Marx) riscou no papel onde era o bosque e os caminhos que seriam feitos para as pessoas andarem. Havia o risco de cortar muitas árvores, se o desenho fosse seguido à risca”, conta o arquiteto.
“Para resolver, fiz como ele orientou: peguei uma cordinha e, com a ajuda do topógrafo, fizemos uma trilha, desviando das árvores. Foi esse o caminho que ficou no Bosque”, observa.
Assim como a servidora aposentada Maí Nascimento, Osvaldo fala do significado da visita para a população curitibana. “Depois da visita do Papa, todo mundo virou polonês em Curitiba”, declara.
A visita
Documentos guardados pela Casa da Memória, unidade da Fundação Cultural de Curitiba, descrevem a visita, entre eles, o Boletim da Casa Romário Martins. Há também outras publicações e jornais históricos que contam a visita.
Ao chegar em Curitiba no sábado, dia 5/7, depois das 16h, o Papa foi recebido pelo então arcebispo de Curitiba, Dom Pedro Fedalto, e por convidados. Ele seguiu em carro aberto até a Praça Tiradentes.
Calcula-se que no percurso entre o Aeroporto Afonso Pena e o Centro, cerca de 500 mil pessoas estavam nas ruas. Jornais da época descrevem que a população acenava com lenços, bandeirinhas, cartazes e havia toalhas nas janelas. Muita gente usava as cores do Vaticano, o branco e o amarelo.
Ele visitou a Catedral Metropolitana de Curitiba e seguiu para o encontro com a comunidade polonesa no estádio do Coritiba Futebol Clube, no Alto da Glória. Uma multidão lotou a arena. Grupos folclóricos apresentaram sua dança típica ao Papa da Polônia. Registros da época informam que 63 mil pessoas estavam presentes.
Os poloneses formam grande contingente entre os europeus que vieram para o Paraná. Também vieram alemães, ucranianos, italianos, russos, franceses e austríacos.
Antes da celebração no estádio, João Paulo II entrou na casa montada no campo de futebol. A mesma casa hoje pode ser visitada no Bosque do Papa, entre as sete ali instaladas. Ela homenageia Nossa Senhora de Czestochowa, padroeira da Polônia.
Ele jantou e dormiu na Arquidiocese, no bairro São Francisco.
No segundo dia, domingo (6/7), bem cedo, celebrou uma longa missa para a multidão que ocupou o Centro Cívico. Jornais da época falam em um milhão de pessoas numa temperatura de 10 graus, a mesma prevista para o fim de semana que celebra os 45 anos da visita.
Um altar foi montado na frente do Palácio Iguaçu e havia telões montados nas praças Tiradentes, Zacarias, Rui Barbosa, Osório, Santos Andrade. Nunca houve multidão tão grande no Centro Cívico.
Vigoroso
A memória mais marcante de Rafael Greca, segundo ele, foi o vigor do Papa. “Ele era um homem muito forte, muito firme. Margarita e eu gostávamos muito dele. Ele tinha a voz de um ator vigoroso, uma postura absolutamente perfeita. Era quase um herói mítico. Podia-se dizer que ele fazia pilates todo dia, de tão firme que era”, definiu Greca.
Ao lembrar do atentado sofrido pelo Papa João Paulo II um ano depois da visita ao Brasil, ele destaca: “Ele resistiu nos mais de 25 anos do seu pontificado com a mesma energia daquele homem que visitou Curitiba em 1980. Antes, as preocupações com a segurança eram de outro nível. Sua Santidade subiu na capota de um carro aberto”, comenta.