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Rumo à reinserção social

Comunidade terapêutica, na região de Curitiba, ajuda a reconstruir vidas

No Cravi, em Almirante Tamandaré, acompanhamos de perto a rotina dos acolhidos que optaram pela internação voluntária em busca da superação da dependência química. Na imagem, Jéferson Bernardo. Curitiba, 14/08/2025. Foto: Hully Paiva/SECOM

De volta aos estudos e inscrito para o próximo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), o cozinheiro José Fernando de OIiveira, de 41 anos, já sonha com a aprovação em um vestibular de Gastronomia. Quer voltar para as cozinhas de restaurantes, que começaram a fazer parte da sua vida há 22 anos e de onde foi afastado pelo uso de drogas. Para isso, aposta no sucesso do tratamento oferecido pela comunidade terapêutica para onde aceitou ir, por sugestão da equipe do Departamento de Políticas sobre Drogas (DPSD) da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Humano (SMDH), da Prefeitura de Curitiba.

O paraibano José Fernando mora em Curitiba há 24 anos e é um dos 52 acolhidos que batalham para refazer suas vidas na Casa de Recuperação Água da Vida (Cravi), na Região Metropolitana. Depois de passagens por Centros de Atenção Psicossocial (Caps) e pelo hotel social da SMDH, foi acolhido pela comunidade há quase três meses. “Sou sobrevivente do preconceito que me afetou muito e me moldou. Quero me reconstruir e também visitar a cidade de onde vim”, conta. A autodefinição remete à rejeição familiar sofrida por sua condição de homem gay desde a juventude na cidade de Cubati, a 200 km da capital paraibana, João Pessoa, e a trajetória profissional que possibilitou a José Fernando montar cardápios em restaurantes da cidade.

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José Fernando de Oliveira, profissional do ramo gastronômico. 

Construindo a reinserção

Com capacidade para 83 homens de 18 a 59 anos em situação de dependência química, há 28 anos o Cravi começou a oferecer alojamentos coletivos, banheiros, refeitório, salas de atendimento, biblioteca, auditório, barbearia, sala de música, horta, campo de futebol e uma imensa área ao ar livre com árvores frutíferas e canteiros de flores. É uma das 22 comunidades terapêuticas certificadas pelo Conselho Municipal de Políticas sobre Drogas de Curitiba, espaços para onde vão os usuários em situação de rua resgatados pela Fundação de Ação Social (FAS) depois de avaliados e encaminhados pela equipe do DPSD.

Ali, explica o assistente social Alexandre Villatore, a permanência termina depois de cumpridos entre sete e nove meses de planos terapêuticos individualizados. Nem todos, porém, conseguem chegar ao final do tratamento e pedem para sair. “Só fica conosco quem realmente quer o tratamento, por vontade própria”, explica.

O começo da transformação

Foi o caso do conferente de cargas e faturista Jéferson Bernardo, de 42 anos, que há 12 anos chegou de Antonina, no litoral do estado. Primeiro quis sair e, agora, pediu para voltar ao Cravi.

A “virada de chave” ficou acertada depois de negociar sua transferência com a gerente de Reinserção Social do Departamento de Políticas sobre Drogas da SMDH, Maria Amélia Kugler Mendes, considerada pelos acolhidos como uma aliada no sucesso do tratamento de cada um. “Ela entende os nossos problemas. Não é daquelas pessoas que veem a gente tipo um caso como outro qualquer pra resolver”, explica o acolhido.

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Jéferson Bernardo, conferente de cargas e faturista.

O combinado nasceu na sala de atendimento do Centro Intersetorial de Atendimento da Prefeitura, que reúne serviços de ação social, saúde e de políticas sobre drogas para a reinserção social de pessoas em situação de rua em amplas instalações perto da Rodoviária. Com a pouca bagagem, Jéferson levou para o Cravi o teste rápido para detecção de HIV, declaração médica de aptidão e documento de identidade – pré-requisitos para a admissão na nova moradia temporária.

Maria Amélia conhece Jéferson de outras tentativas de reinserção. Antes de ir para a comunidade pela primeira vez, ele passou pelo hotel social para pessoas em situação de vulnerabilidade que lutam contra a dependência química, no Centro. Ficou um tempo por lá, recaiu e voltou para as ruas onde passou sete anos e se desfez do pouco que tinha - o vale-transporte para levá-lo até o emprego que abandonou, o vale-alimentação e até o celular, trocados por droga. “Sabemos que não é fácil pra nenhum dependente químico, e que cada um tem o seu tempo de enfrentar o desafio”, pondera Maria Amélia. Assim como para José Fernando, a determinação de Jéferson parece indicar que esse momento chegou. “Agora chega”, afirma.

De novo no comando

Logo que retornou ao Cravi, surpreendeu-se com a estrutura do local – uma chácara com pequenas construções erguidas em meio a muito verde, pássaros e cachorros. “Aqui é maravilhoso”, opina. Também de início, ficou sensibilizado com a mensagem enviada por whatsapp pela mãe, lida somente na primeira oportunidade em que teve autorização para verificar o celular, quase dez dias depois da chegada. “Ela nunca falou sobre drogas comigo, nem pra brigar. E agora veio me dar força. Fiquei emocionado”, disse.

A limitação do acesso ao smartphone é uma das regras do local, cuja rotina vai das 7h45 às 22h30. Durante o dia, cada acolhido desempenha tarefas específicas - como limpeza de banheiros, alojamentos e canil, jardinagem ou cozinha. A organização e higienização do espaço e dos objetos pessoais, explica Alexandre, o assistente social, faz parte da proposta terapêutica. “A valorização do que é deles, do que eles têm, onde eles estão, está muito relacionada à transformação que cada um quer e precisa pra si”, frisa. As visitas são permitidas somente a cada 15 dias e a primeira saída, ao fim do primeiro mês de tratamento.

Confiante no sucesso do tratamento, Jéferson faz planos. “Quero a minha vida de novo, e sair dessa também pelos meus filhos”, justificou. Ele é pai de dois adolescentes.