Uma das melhores raias para esportes náuticos não poluentes do Brasil pode ter nascido em um consultório dentário durante conversas entre dentista e paciente.
Corriam os anos 1970 e o engenheiro Nicolau Kluppel, que integrou as equipes dos prefeitos curitibanos Saul Raiz e Jaime Lerner, fazia tratamento dentário no consultório do dentista Kalil Boabaid.
Foi ali, entre o ronco do temido motorzinho da broca e os jatos da seringa tríplice, que surgiram os primeiros esboços para criar uma raia de remo e canoagem nas cavas de areia no Boqueirão, o que viria a ser o embrião do Parque Náutico, oficialmente criado em 1978.
Esportes e prevenção de alagamentos
Quem conta essa história é o Gilmar Collares, praticante de remo há 30 anos e um grande entusiasta dos esportes náuticos de Curitiba.
“Depois que acabou o tratamento dentário o doutor Kalil não aceitou receber pelos seus serviços, mas cobrava para que a raia fosse construída. Nessa época, então, Nicolau Kluppel comunicou aos remadores que construiria uma raia de remo, onde antes era uma área de mineração muito depredada. Foi muito bom, porque juntou-se a oportunidade de se criar um lugar para se praticar o esporte do remo com a necessidade da Prefeitura de ter um lugar que absorvesse as águas das enchentes”, explicou Collares, mais conhecido como Bagé, que hoje integra a diretoria da União dos Remadores Veteranos de Curitiba (Urvec).
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Gilmar Collares - União dos Remadores Veteranos de Curitiba
Bagé tem foto do bilhete de Nicolau Kluppel, datado de 1° de julho de 1977, onde ele escreve para o doutor Kalil preparar os remadores porque a Prefeitura iria construir a raia. Ela nasceu primeiro com 1.500 metros e depois, com a melhorias, ganhou a dimensão atual de 2.300 metros.
Oportunidade para os carentes
Além de usar a raia, o doutor Kalil ainda abriu oportunidades para quem não tinha condições de praticar os esportes de remo. Ele foi um dos criadores da Liga de Remo do Estado do Paraná que instruía nos esportes náuticos crianças e jovens em situação de vulnerabilidade social.
Hoje, a raia do Parque Náutico do Boqueirão é considerada uma das melhores do país e está estruturada para a prática de esportes e treinos de navegação não poluentes (remo, vela e canoagem) também por paratletas.
Local bem estruturado
A boa estrutura do local tem garantido a formação de gerações de campeões nos esportes náuticos e até medalhistas olímpicos.
Para reforçar ainda mais o apoio à prática de esportes na maior raia natural para esportes náuticos da América Latina, a Prefeitura, através da Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SMMA), fez a reforma nos barracões de remo e canoagem, implantou acessos para pessoas com deficiência e novo trapiche, ampliou e melhorou a iluminação, reforma da passarela e torre de cronometragem, promoveu a instalação do sistema de câmera de segurança da Muralha Digital e Guarda Municipal 24h.
Arca do Iguaçu
Bagé também conta que no final dos anos 1970 não eram só os remadores que navegavam nas águas do Parque Náutico. Casais, crianças e famílias podiam passear num trajeto de 8 km a bordo da Arca do Iguaçu, um barco restaurante, com música ao vivo que fazia muito sucesso entre os curitibanos.
“Tinha esse barco que era de dois andares e servia refeições, bebidas, havia música ao vivo. Então era um passeio muito interessante aqui, bem inserido na natureza, junto aqui ao parque. Esse canal vai beirando o Rio Iguaçu e desemboca nele, lá próximo ao Zoológico. Então essa arca ia até lá e voltava, pegava mais passageiros e fazia isso nos finais de semana, era um passeio muito interessante”, recordou Bagé com saudosismo.
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Gilmar Collares - União dos Remadores Veteranos de Curitiba
Mas depois que a Arca do Iguaçu saiu de cena, o local ficou restrito para os apaixonados pelo remo. Os barracões abarrotados de canoas e embarcações para competições têm histórias de sucesso de atletas que foram forjados ali.
Fábrica de campeões
Tereza Champaoski, vice-presidente da Associação Náutica de Curitiba, mantém uma escolinha de remo e canoagem para crianças a partir de 8 anos.
“Temos atletas aqui que já conquistaram títulos de campeão paranaense, campeão brasileiro, sul-americano e paralímpico. E esse processo começou com a contribuição da associação para fazer melhorias aqui no local e a Prefeitura vai nos ajudar este ano porque estamos precisando é de um barracão maior. Somos em quase 80 numa sala muito pequena e não temos espaço para acolher mais crianças e mais atletas, inclusive atletas que vêm do Rio Grande do sul e de outros lugares para treinar aqui”, explicou Tereza.
Medalhista olímpico
Uma das principais referências para os praticantes de remo é o paratleta Miquéias Elias Rodrigues, atleta incentivado pela Prefeitura que conquistou a medalha de bronze dos Jogos Paralímpicos de Paris, em 2024, e treina diariamente na raia do Parque Náutico.
“Isso já rendeu muitos frutos bons. Eu trouxe uma medalha de Paris dos Jogos Paralímpicos em 2024, graças a Deus foi minha primeira participação e consegui trazer uma medalha de bronze. Também em 2024 foi minha primeira participação no campeonato mundial, consegui outra medalha de bronze e agora há um mês teve a Copa do Mundo, também consegui subir no pódio com mais uma medalha de bronze”, relatou.
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Miquéias Elias Rodrigues, paratleta e medalhista olímpico
O paratleta trabalha forte nos treinamentos porque quer subir ainda mais alto no pódio nas próximas competições.
“Estamos conseguindo progredir aos pouquinhos e se Deus quiser a gente vai conseguir aí trazer uma medalha de ouro. Em agosto vai ter o Campeonato Mundial de Canoagem e vamos tentar trazer o ouro”, torce Miqueias.
A disciplina e a tenacidade de Miqueias servem de espelho para quem está começando no remo, muito embora os mais jovens ainda estejam descobrindo os benefícios do esporte.
Descontração, medalhas e sonhos
Este é caso de Talita Fernandes, que tem só 12 anos, mas já é campeã paranaense de canoagem. Para ela, praticar o esporte é muito mais do que competir.
“A experiência é muito boa porque às vezes a gente chega aqui triste, mas já sai animado para o treino. A gente encontra o pessoal e se anima. Todo mundo entra junto na água e este convívio anima bastante, assim como o treino”, disse a garota.
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Talita Fernandes, atleta
A jovem Helena Dallagnol, 16 anos, veio do Rio Grande Sul para Curitiba especialmente para ser instruída pelo treinador Cleverson da Silva Santos.
“Já participei de um campeonato internacional. Conquistei três medalhas de prata e no ano passado fui três vezes campeã brasileira. Eu vim para Curitiba para tentar crescer, para evoluir. Já estou vendo resultado, mas agora também quero ser de novo campeã brasileira este ano e em 2026 quero tentar vagar na Seleção Brasileira de Canoagem”, revelou a jovem.
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Helena Dallagnol, atleta
Apesar de jovem, Giovana Busko, 18 anos, também já tem muita história para contar. Começou na escolinha na modalidade de remo de joelho dobrado e já tem títulos de campeão sul americana e brasileira e este ano vai disputar o Campeonato Brasileiro de Canoagem, que acontecerá em Lagoa Santa, Minas Gerais.
Esta competição também no foco de preparação da jovem Rauny de Oliveira Gomez, 20 anos, que veio do Rio Grande do Sul para treinar canoagem em Curitiba.
O legado de Zecão
O Clube de Canoagem Náutico Iguaçu e o Clube de Regatas Curitiba também atuam para ajudar a escrever a história de sucesso da canoagem de Curitiba.
Leila Silva contou que assumiu o clube que foi fundado em 2010 pelo paratleta José Agmarino de Jesus Coelho. Zecão, como era conhecido, faleceu em 2017. Ele foi campeão brasileiro de canoagem em 1999 e vice no Mundial de Canoagem Maratona em 2016, modalidade não-olímpica.
“O clube já conta com inúmeros títulos, como de bicampeão mundial na categoria de maratona. O próprio Zecão e a Naiara Falcão foram campeões. Eu também participava das competições e eu me sagrei duas vezes campeã brasileira e fui convocada em 2017 para o Mundial da África do Sul e 2018 para o Mundial de Portugal para representar a seleção brasileira master de canoagem maratona e desde então nós fomos também revelando outros atletas”, disse Leila.