O programa Nossa Feira, implantado pela Prefeitura de Curitiba, está provocando a reorganização da cadeia produtiva envolvida, com a criação de um consórcio de cooperativas. O aumento nas vendas de cooperativas familiares e cooperados é a consequência imediata. Porém, o reflexo mais importante é na vida das pessoas, na medida em que o programa trouxe esperança aos agricultores familiares, que hoje têm garantidos o escoamento das safras e a venda da produção com maior liquidez. Empregos foram criados para o atendimento nas feiras e a população tem a garantia de acesso a frutas, legumes e verduras a preço fixo. São cerca de 30 itens a R$ 1,99 o quilo.
Novos funcionários foram contratados pelas duas cooperativas da Região Metropolitana de Curitiba responsáveis pelo abastecimento e pelo funcionamento dos 15 pontos existentes da Nossa Feira: a Cooperativa de Processamento Alimentar e Solidária de São José dos Pinhais (Copasol) e a Cooperativa Agrícola Familiar de Colombo (Cooacol). A Copasol passou de quatro para 39 funcionários efetivos e a Cooacol, que tinha cinco empregados, contratou mais 12.
“A venda direta permite pagar melhor para o produtor. A maior parte aumentou a produção e está entregando mais. Tem muito produtor procurando a cooperativa porque aumentou a credibilidade, a confiança”, afirmou o presidente da Cooacol, Leandro Cavassin, que atua em cinco pontos. Indiretamente, a contratação de fretes também aumentou com a maior movimentação de cargas.
Produtores
“Foi a melhor coisa que aconteceu. Antes desse programa perdíamos muito, não tinha pra quem vender, ficava na roça e os vizinhos levavam de carretada. Graças a Deus agora sai tudo.” O depoimento é de Joana Scolaro, de 53 anos, uma das cooperadas da Copasol. A lida na roça vem desde menina. Hoje, Joana divide o trabalho com o marido, Juvenal, e os dois filhos solteiros – Gisele, de 21 anos, e Joel, de 25. Juntos cultivam 3,5 alqueires de propriedade da família e 1,5 alqueire arrendado. Com a abertura das Nossas Feiras, Joel e Gisele foram convidados pela Copasol para atender o público nas feiras. Aproveitaram a oportunidade. Conquistaram o primeiro emprego fora da agricultura familiar para complementar a renda.
“Entregava pouco, duas, três vezes por semana, mais ou menos 10 caixas. Agora o que tem na roça sai, às vezes chega a faltar. Com essas feiras melhorou 100%, hoje entrego 18, 20 caixas por dia”, enfatizou Joana. O volume de entrega da família aumentou depois que a cooperativa assumiu dez pontos da Nossa Feira e ainda um Sacolão da Família, o Santa Cândida, o primeiro a ser administrado por uma cooperativa de agricultores familiares. A colheita para enviar às Nossas Feiras é feita no dia e para a Ceasa (Central de Abastecimento do Paraná) no dia anterior a entrega.
A boa colheita trouxe outro benefício para a família: aumentou a liquidez. Eles agora não dependem mais apenas de programas governamentais ou de terceirizados e o recebimento mensal é certo. Até então, os agricultores e as cooperativas familiares tinham como principal cliente os programas governamentais de merenda escolar e de troca de lixo reciclado por alimento. “É uma venda direta, produziu e já sabe quanto vai entregar”, afirmou Leo Giliet, funcionário da Cooperativa da Agricultura Familiar Integrada de Cerro Azul (Coopafi), que integra o consórcio.
A entrega de toda a produção e a segurança do valor a ser recebido deu confiança à família Scolaro para financiar um veículo para fazer as entregas. Até então, o transporte dos produtos para a cooperativa era feito de trator. Para levar à Ceasa, a família pagava aos produtores vizinhos que possuem caminhão. “Para a cooperativa a gente levava de trator, mas estragava muito os produtos. Agora compramos uma Saveiro financiada, porque é perto pra entregar”, conta Joana.
Nova rotina
A conquista de emprego dos filhos alterou a rotina da família. Agora os dois jovens ajudam os pais na roça apenas pela manhã e após o almoço seguem para as feiras, de onde só retornam após as 22 horas. “Apoiamos que tentem alguma coisa fora da roça porque as despesas são grandes e sobra muito pouco pra eles. Gastamos com adubo, semente, energia, óleo de trator, combustível, é muito gasto”, afirma a agricultora. “Na feira há muitos que reclamam, mas não sabem quanto custa pra produzir. Às vezes tá frio, chovendo, e estamos lá na roça, trabalhando”, lembrou a filha Gisele.
“Só nós, os velhos, estamos insistindo. Aí não vai ter mais verdura. Grão não falta porque tem máquina pra plantar. A verdura é tudo plantado à mão, não tem máquina. Dependendo do que for entregar tem que fazer os maços, lavar tudo, embalar e carregar. Um dia fiz sozinha 380 maços de espinafre, não aguentava mais”, contou a mãe. O filho Joel diz ter vontade de continuar na atividade e gosta de trabalhar nas feiras: “É bom, a Nossa Feira é uma motivação para quem está trabalhando no sítio”.
Reorganização
A família Scolaro é exemplo da situação de milhares de outros produtores familiares do país. De 5 milhões de áreas rurais existentes, 4,3 milhões são cultivadas pela agricultura familiar, o que representa 84% do total. “A agricultura familiar é que coloca a comida na mesa do brasileiro”, afirmou o médico veterinário Alfredo Benatto, da Secretaria de Estado da Agricultura, durante o 1º. Simpósio Nacional de Feiras Livres e Mercados, realizado pela Secretaria Municipal do Abastecimento, em abril deste ano. No final do evento, 26 propostas foram incluídas na Carta de Curitiba para que sejam apresentadas aos órgãos afins, a abertura de mercados de varejo a agricultores familiares e cooperativas agrícolas foi consenso entre os participantes.
Incentivados pelo mercado de varejo, os participantes do programa Nossa Feira, como Joana e as cooperativas, não falam no aumento da área de cultivo, mas na diversificação de produtos com planejamento das safras, apesar dos receios. “O programa veio de repente. A nossa meta é contratar ainda em 2016 um técnico para ir a campo acompanhar a produção e os agricultores. Queremos organizar o planejamento desses agricultores e reorganizar o quadro de associados”, informou o presidente da Copasol, Amélio Valaski. A cooperativa é responsável por 10 pontos da Nossa Feira.
O planejamento escalonado da produção também deverá ser um dos pontos de atuação da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Paraná (Emater) que, junto com a Secretaria Municipal do Abastecimento articula a formação do consórcio. “Pretendemos desenvolver um trabalho de assistência técnica para orientar os agricultores. O objetivo é aumentar a produção com maior constância e diversidade de produtos, de acordo com a demanda”, antecipa o técnico de cooperativismo e associativismo da Emater), José Custódio Guimarães.
Planejamento já previsto inclusive pelas cooperativas associadas. “Não tínhamos acesso ao mercado de Curitiba. Pretendo fazer um trabalho de planejamento da produção para diversificar mais. O pessoal (produtores) tem receio de diversificar e não ter mercado”, afirmou o presidente da Coopafi, Adriano Briaaturi, que repassa produtos às cooperativas permissionárias.
A Cooperativa Agroindustrial do Litoral Paranaense (Cooativa) já entregou hortifrútis, como pepino, abobrinha e maracujá pela Coopafi, que é consorciada. A cooperativa foi desativada e deve ser retomada para aproveitar o mercado aberto pelo programa. “A expectativa é ter a cooperativa reativada e tentar fornecer para merendas escolares e Nossa Feira”, afirmou Giliet que, além de trabalhar na Coopafi, é membro da direção da Cooativa. Se reativada, a cooperativa será focada no envase de palmito.