Conversar com Nancy Westphalen Corrêa, 95 anos, é voltar a um tempo em que tudo - literalmente tudo - acontecia no Centro de Curitiba. A simpática e culta senhora mora no bairro desde 1957. São 68 anos como testemunha de várias fases, modismos e transformações ocorridas ali.
“O Centro é o melhor bairro de Curitiba. Eu não me mudaria para outra região da capital. Tem tudo: comércio, moradia, serviço, cultura e história”, diz Nancy, que foi professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR) por 30 anos e diretora da Biblioteca Pública do Paraná, entre 1968 e 1971, na gestão do ex-governador Paulo Pimentel.
Se depender do prefeito Eduardo Pimentel, neto do ex-governador, o projeto Curitiba de Volta ao Centro, lançado em fevereiro deste ano, vai tornar o bairro ainda mais amigável tanto para quem já vive como para quem planeja morar ou investir no Centro.
No tempo dos bondes
Natural da Lapa, Nancy Westphalen Corrêa nasceu no dia 5 de abril de 1930. Ela tinha 4 anos quando toda a família mudou-se para Curitiba. Com os pais, Joanita e Antônio, e o irmão, José, a menina foi morar inicialmente no bairro Bacacheri.
“Para ir e vir do Centro para o Bacacheri, o meio de transporte público era o bonde. Na altura da Casa Edith e do Paço Municipal, na Praça Generoso Marques, ele fazia uma curva que dava um friozinho na barriga”, conta ela. Os bondes só deixaram de circular na cidade em 1952.
Praça Generoso Marques com o Paço Municipal e a Casa Edith. Foto: José Fernando Ogura/SECOM
Em 1957, a família de Nancy mudou-se para o Centro, mais precisamente para a Travessa Itararé, número 67. A via, com apenas duas quadras, fica na região onde hoje estão o Santuário e o Terminal do Guadalupe. “Foi o primeiro dos meus três endereços no Centro. Os outros dois, incluindo o atual, sempre foram ao redor da Praça Osório”, detalha ela.
Amizades e namoros
Amizades e rivalidades, relata Nancy, nasciam nos bancos escolares do Instituto de Educação e do Colégio Estadual, ambos no Centro (bem como nos colégios Nossa Senhora de Lourdes, onde ela estudou, e Marista, onde o irmão estudou, localizados em outros bairros).
Colégio Estadual do Paraná, próximo ao Passeio Público. Foto: Antônio Costa/AEN
Já os namoros e compromissos mais sérios começavam em salões como o do Clube Curitibano, um dos mais concorridos, que teve sua sede no Centro, entre 1950 e 1968, na Rua XV de Novembro esquina com Barão do Rio Branco. “No Curitibano, ocorriam grandes festas e bailes, como os de Natal e de carnaval”, cita Nancy.
Com linhas retas e modernistas, o prédio do Centro que antigamente foi o Clube Curitibano é hoje a sede de órgãos da Prefeitura de Curitiba, como a Cohab e o Centro de Referência Afro (Creafro).
Primeiro “Centro Cívico”
Nancy também explica que, até o fim dos anos 1950, o “Centro Cívico” da cidade ficava entre o Centro e o São Francisco. O atual edifício da Câmara Municipal foi a Assembleia Legislativa do Paraná, até 1953. A sede do Governo do Estado era o Palácio São Francisco (entre 1938 e 1956), o atual prédio do Museu Paranaense, na Rua Kellers. Na Praça Generoso Marques, ficava a Prefeitura, transferida para o Centro Cívico em 1969.
Câmara Municipal de Curitiba já foi Assembleia Legislativa do Paraná. Foto: Valquir Aureliano/SECOM
Cinelândia curitibana
Testemunha de um tempo em que o Palácio Avenida, o Edifício Garcez e outros prédios na Rua XV de Novembro e Avenida Luiz Xavier formavam a Cinelândia de Curitiba, Nancy seguia o ritual obrigatório para ir aos cinemas do Centro, com seus enormes letreiros luminosos chamando para as estreias de filmes.
“Todo mundo se arrumava para ver as sessões dos cines Palácio, Ópera, Avenida e Odeon. Antes ou depois, íamos a confeitarias, como a Guairacá e a das Famílias”, detalha ela. A Confeitaria da Família é até hoje programa obrigatório na Rua XV de Novembro e a Guairacá ficava no Palácio Avenida e fechou as portas em 1979.
Rua XV de Novembro, no trecho conhecido como Cinelândia, ainda aberta para carros. Foto: Casa da Memória
Natal era na HM
A magia do Natal, recorda Nancy, acontecia na Rua Barão do Rio Branco, com as grandiosas decorações da loja Hermes Macedo entre os anos 1950 e 1990.
“A rua virava extensão da festa da HM, com um enorme arco de Natal em plena Barão do Rio Branco. Eu levava meus sobrinhos, Ana Luiza, José Antônio e Ana Teresa, no meu fusca para ver a decoração”, revela ela.
Além da HM, outros estabelecimentos de comércio de rua no Centro eram disputados pelos curitibanos na hora de fazer compras. Artigos finos para casa, como cristais importados da Europa, sempre foram adquiridos na Casa Glaser, na Rua Comendador Araújo até hoje.
Já a Casa Edith, na Praça Generoso Marques, continua aberta e sempre foi voltada ao público masculino. “As mulheres preferiam as costureiras e escolhiam os tecidos em lojas como a Casa Louvre, na Rua XV de Novembro”, esclarece. Consumido por um incêndio na década de 1990, o prédio em estilo art nouveau da antiga Casa Louvre, construído em 1913, foi restaurado sob supervisão do Ippuc (Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba) e abriga uma unidade da Loja Marisa.
Antiga Casa Louvre ficava na Rua XV de Novembro e hoje é uma loja de departamento feminina. Foto: Divulgação
Rua XV vira Rua das Flores
Sobre um dos momentos mais marcantes da transformação do Centro, o fechamento da Rua XV de Novembro, que virou o primeiro calçadão para pedestres do país no dia 19 de maio de 1972, Nancy recorda que foi muito polêmico.
“Eu estava no Rio de Janeiro, estudando. Mas voltei meses depois. O Jaime Lerner foi muito corajoso em criar a Rua das Flores e não faltaram críticos, pois a rua era onde ocorriam as voltas e mais voltas de carro para se ver o footing (ato de caminhar nas calçadas de ruas e praças de cidades)", explica.
Rua XV de Novembro é a primeira via de pedestres do Brasil. Foto: Pedro Ribas/SECOM
Sobrenome de rua
Nancy vem de duas famílias paranaenses da região dos Campos Gerais. Seu sobrenome materno é bastante conhecido dos curitibanos, estampando placas de uma via que começa no Centro, a partir da Rua Emiliano Perneta, até o bairro Parolin: a Desembargador Westphalen é uma homenagem ao magistrado e deputado Emygdio Westphalen (1847-1923), parente do bisavô materno dela.
Nancy não se casou e seu irmão, José, faleceu em 2011. Sua família atualmente é formada pela cunhada, três sobrinhos, dois sobrinhos netos e uma sobrinha bisneta. Atualmente, ela se dedica a frequentar o Centro Espírita Abibe Isfer (CEAI), do qual foi a primeira diretora-administrativa e responsável pela reforma do prédio da Alameda Cabral, e os eventos na Aliança Francesa, sendo presidente de honra da instituição com sede na Alameda Prudente de Moraes, ambos no Centro.
Idosos são 20% dos moradores do Centro
Nancy integra os 20% dos moradores do Centro de Curitiba com mais de 60 anos, um público importantíssimo para qualquer bairro pois um grande número de idosos em determinada região é garantia de que o espaço público está sendo bem-cuidado. Os outros 80% se dividem: 50% entre 20 e 39 anos, 20% entre 40 e 59 anos e 10% entre 0 e 19 anos.
“Idosos costumam valorizar aspectos como a arborização das ruas e a qualidade das calçadas, pois gostam de caminhar pela cidade e cuidar do que é de todos. Eles sabem que o bem mais precioso de uma cidade é o espaço público”, afirma a secretária municipal de Desenvolvimento Humano, Amália Tortato. A pasta é responsável pela articulação de políticas públicas para a pessoa idosa, além de migrantes, crianças e adolescentes, prevenção ao uso de drogas e Terceiro Setor.
Cinco programas de ontem, hoje e sempre no Centro recomendados por Nancy Westphalen Corrêa
Biblioteca Pública do Paraná
A Biblioteca Pública do Paraná (Rua Cândido Lopes, 133), uma das maiores do país, reúne 630 mil livros, periódicos, fotografias, mapas, cartazes e materiais de multimeios e multimídia. Seu maior tesouro, guardado em um cofre e com acesso controlado no setor de obras raras, é um exemplar do livro de poesia épica renascentista Orlando Furioso, de 1584, do italiano Ludovico Ariosto. Foto: Hully Paiva/SECOM
Prédio da UFPR na Santos Andrade
A arquitetura impressionante, com destaque para as colunas neoclássicas e a enorme escadaria, torna o prédio histórico da Universidade Federal do Paraná (UFPR), na Praça Santos Andrade, no Centro, um dos cartões-postais mais famosos de Curitiba. Inaugurado em 1915, o local recebeu a primeira universidade do Brasil. No prédio histórico, também é possível visitar o Museu de Arte da UFPR (MusA). Foto: Ricardo Marajó/SECOM
Museu Paranaense
A sede do Museu Paranaense (Rua Kellers, 289), no São Francisco, já merece uma visita pela arquitetura do palacete que serviu, entre 1929 e 1937, como residência da família de Júlio Garmatter e como sede do Governo do Paraná, entre 1938 e 1956. No seu interior, um acervo de 400 mil peças, com destaque para o mobiliário de época, armas, uniformes, moedas, itens arqueológicos e antropológicos (como cerâmicas indígenas) e retratos a óleo. Foto: José Fernando Ogura/SECOM
Bar Palácio
Endereço gastronômico muito disputado até os dias atuais, o Bar Palácio (André de Barros, 500) abriu em 1930 e tem como estrelas do cardápio o churrasco paranaense, o cabrito e a rabada com polenta. Uma curiosidade do Bar Palácio é que por décadas mulheres só podiam frequentar o local acompanhadas. Apenas no 27 de janeiro de 1984, quatro estudantes entraram sozinhas na antiga sede da Rua Barão do Rio Branco e fizeram história na capital. O restaurante mudou para o atual local em 1991. Foto: Divulgação
Passeio Público
Primeiro parque de Curitiba, o Passeio Público comemora 140 anos em 2026 e é a principal área verde do Centro. No local, há ilhas, pontes, pistas de caminhada, parquinho infantil, alamedas, pistas e lagos bem-cuidados pela Prefeitura de Curitiba, sem contar as áreas de aves e macacos e o Coreto Digital, que exibe vídeos em uma tela curva de LED de alta definição. Ao lado do Passeio Público, estão outras atrações desta parte do bairro, como o Cine Passeio (R. Riachuelo, 410), Estúdio Riachuelo (R. Riachuelo, 40) e a Praça 19 de Dezembro (famosa pelas esculturas da mulher e do homem nus). Foto: Ricardo Marajó/SECOM
O projeto Curitiba de Volta ao Centro tem como objetivo desenvolver ações para revitalizar a região central da cidade, tornando-a mais segura, habitável, dinâmica, acolhedora e sustentável economicamente, beneficiando os cidadãos e turistas que nos visitam. É um trabalho liderado pela Prefeitura de Curitiba e com a participação do Governo do Estado, de instituições públicas e privadas e de organizações da sociedade civil, que unidos definem propostas através da Comissão de Redesenvolvimento da Região Central de Curitiba.
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