Texto: Matheus Neme (sob a supervisão de André Prokofiev)
Secretaria Municipal da Comunicação Social
Curitiba já foi marcada por paisagens rurais e pela força da agricultura. Dos campos de trigo aos institutos de educação agrícola, hoje a cidade é consolidada como uma capital urbana. Ainda assim, conta com uma grande história envolvendo a agricultura e preserva a memória de um tempo em que a vida no campo ditava o ritmo do desenvolvimento local.
Até a virada do milênio, Curitiba passou por profundas transformações em sua organização territorial. Com a legislação de zoneamento estabelecida em 2000, a cidade deixou de ter áreas classificadas como zonas rurais e toda a extensão do município passou a ser considerada urbana.
Voltando no tempo, até a década de 1870 o cenário era diferente. Naquele período, Curitiba ainda guardava a essência interiorana de uma cidade rural, em que a agricultura desempenhava um papel central na economia e cotidiano da população. O cultivo de cereais, videiras e erva-mate se espalhava pela paisagem e sustentava grande parte da vida local.
A então Província do Paraná havia sido emancipada há pouco mais de 20 anos e contava com cerca de 125 mil habitantes. O grande desafio da jovem política paranaense era a colonização do território. Com o sistema escravocrata iniciando o seu declínio, o presidente da província, Adolpho Lamenha Lins, voltou seus esforços para preparar o estado à imigração.
O jornalista Evandro Fadel, coordenador de Comunicação da Secretaria da Agricultura e do Abastecimento do Paraná e autor do livro Terra da Gente - Evolução da Agropecuária Paranaense 1853-2023, destaca a posição que Curitiba ocupava no cenário pós-emancipação política de São Paulo.
"Existia uma Curitiba que precisava se formar e ser abastecida como a nova capital que era. A cidade buscava se estruturar inicialmente em relação às estradas, à agricultura e à colonização", comenta Fadel.
A recém-nascida província do Paraná pouco se parecia com a potência no agronegócio de atualmente. Os núcleos populacionais se dividiam entre a capital, litoral e campos gerais. Nos relatórios anuais enviados por parte dos presidentes provinciais, as cidades que eram comumente citadas se restringiam a Curitiba, Paranaguá, Ponta Grossa, Guarapuava e Castro.
Nesse contexto, a capital desempenhava um dos principais papéis como mercado consumidor e simultaneamente produtor. Curitiba possuía, em 1872, uma população de cerca de 12 mil habitantes, sendo a segunda cidade mais populosa atrás de Castro. Foram aos poucos que os projetos de colonização do território foram colocados em prática, sendo um dos primeiros a colônia argelina estabelecida na região do Bacacheri.
Um dos objetivos do governo consistia na criação de colônias próximas a centros populosos e ligadas por estradas, formando um cinturão verde ao redor das cidades. Assim, surgem importantes núcleos coloniais em Curitiba, como Santa Cândida, Orleans, Abranches e Pilarzinho. Diferentes nacionalidades se estabeleceram na região, em especial poloneses e alemães, que buscavam recomeçar a vida com o trabalho agrícola.
O ciclo dos cereais
No início do século 19, o trigo era um dos produtos que sustentavam a economia curitibana. Trinta anos depois, entretanto, sua produção entrou em queda, ofuscada por pragas e pela expansão da erva-mate, que exigia menos esforço e gerava maior rentabilidade.
Mesmo assim, o cultivo passava por tentativas de recuperação. Em 1875, dos quatro alqueires de sementes distribuídas pelo governo, foram colhidos 90. A produção resultou em 1.010 arrobas de farinha, ainda insuficientes para atender o consumo de Curitiba na época, estimado em 4.590 arrobas. Apesar disso, o vice-presidente da província, Henrique Beaurepaire-Rohan, demonstrava otimismo em relação ao futuro.
“Se a próxima colheita for boa, pode-se afirmar que a do ano seguinte será suficiente para o consumo do país. Então se tornará a Província do Paraná o celeiro do Brasil”, registrou em relatório de 1876.
Enquanto o trigo buscava se reerguer, outras culturas prosperavam. Coentro, cevada e aveia destacavam-se pela facilidade de cultivo e pelo aproveitamento do capim para a produção de feno. Também chamava atenção a videira americana, que se espalhava quase que espontaneamente pelo solo paranaense e já dava origem a vinhos considerados de excelente qualidade em Curitiba.
Ouro verde
A produção que foi o carro-chefe da economia curitibana e paranaense por um longo período foi a erva-mate. Desde o início do século 19, a planta nativa da América do Sul impulsionou o desenvolvimento tecnológico e social de Curitiba, que buscava se afirmar como uma capital potente.
''Em 1920, a erva-mate chegou a ser responsável por 60% da arrecadação estadual, com os engenhos e produção concentrados basicamente em Curitiba. Ela era de um cultivo muito mais fácil e rápido do que trigo ou soja, o que impulsionou o mercado em diversos momentos durante a história", ressalta Fadel.
O pujante ciclo econômico deixou marcas que se mantém até hoje na paisagem curitibana. Por conta dessa indústria, Curitiba presenciou avanços que vão desde a implementação de bondes e energia elétrica até o surgimento de instituições como a Universidade Federal do Paraná (UFPR).
São muitas as marcas do cultivo da erva-mate na cidade. Sobrenomes como Fontana, Leão e Correia formaram verdadeiros impérios de produção que ainda estão presentes fisicamente em bairros como Alto da Glória e Batel, com seus antigos casarões.
Instituto Agronômico do Bacacheri
Com a virada do século 19 para o 20, o abastecimento e o consumidor paranaense passaram a ganhar uma maior atenção. Em 1907, foi criado o Instituto Agronômico do Bacacheri, localizado onde hoje funciona o Cindacta II. O espaço servia como campo experimental, voltado à educação agrícola e demonstração de métodos modernos de cultivo.
Além de orientar agricultores, o instituto também fornecia mudas e sementes de seus viveiros, gratuitamente ou a pequenos preços, consolidando-se como um importante centro de inovação para o setor.
A questão envolvendo a educação agrícola estava em discussão há pelo menos 30 anos. Lamenha Lins relata em 1876 a necessidade de tirar o agricultor do estado contemplativo e estático que muitas vezes se encontrava. Já nessa época se falava em socorro da instrução profissional e auxílio de instrumentos aperfeiçoados. Mas é a partir do novo século que as ações realmente tomam forma.
"Curitiba estava no centro dessa discussão, porque ela produzia e consumia muito. É com a virada para os anos 1900 que se vê a necessidade da criação de uma secretaria específica para a agricultura e um impulso na educação agronômica", finaliza Fadel.
Seguindo desde a criação da Sociedade Estadual da Agricultura do Paraná, em 1887, e culminando no surgimento e posterior desenvolvimento da Escola Agronômica do Paraná, em 1918, a agricultura no estado e na capital buscava iniciativas em prol da modernização. À medida em que o século se desenrolava, Curitiba se transformava cada vez mais em uma metrópole urbana, mas ainda desempenhando um papel importante na educação agrícola.
Em 1920, o Instituto Agronômico do Bacacheri passa a ser gerenciado pela Escola Agronômica do Paraná, com o objetivo de centralizar as atividades agrícolas. Com isso, o local se tornou um espaço totalmente voltado para realização de aulas práticas no que iria ser conhecido futuramente como Setor de Ciências Agrárias da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Presente
O cultivo de hortaliças e grãos, junto da criação de gado, movimenta R$ 16,9 milhões por ano em Valor Bruto da Produção, de acordo com dados do Departamento de Economia Rural (Deral) da Secretaria de Estado de Agricultura.
Na cidade, são 123 estabelecimentos que ocupam uma área de produção agrícola e pastagens de 1.356 hectares. Além disso, esse setor emprega cerca de mil pessoas no município, de acordo com o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho.
A segurança alimentar
A preocupação com o acesso a alimentos de qualidade, entretanto, não se restringe ao campo. Ela acompanha a história urbana de Curitiba desde o início do século 20, quando colonos dos arredores traziam sua produção para vender em feiras livres realizadas nas ruas do Centro da cidade. Em 1958, essa tradição ganhou um espaço fixo e ampliado com a inauguração do Mercado Municipal de Curitiba, que se tornou referência em abastecimento popular e comércio de hortifrutigranjeiros, grãos, especiarias, carnes, pescados e flores.
Com o crescimento da cidade e a ampliação das demandas alimentares, a Prefeitura estruturou políticas públicas específicas. Em 1948 foi criado o Departamento de Agricultura, marco inicial da atual pasta de segurança alimentar. Décadas depois, em 1986, nasceu a Secretaria Municipal de Abastecimento (Smab), responsável por organizar feiras, mercados e programas sociais, como o Armazém da Família, o Câmbio Verde e o Restaurante Popular, que passaram a garantir acesso a alimentos de qualidade a preços acessíveis para a população.
A partir de 2019, alinhada às diretrizes nacionais e internacionais de promoção do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA), a Smab foi transformada em Secretaria Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional (SMSAN). A mudança de nomenclatura reforçou a visão de que a alimentação não envolve apenas distribuição e preços, mas também aspectos nutricionais, de saúde, sustentabilidade e cidadania.
Hoje, a SMSAN coordena uma rede de programas e equipamentos que vão das feiras livres tradicionais ao Banco de Alimentos, do incentivo à agricultura urbana em hortas comunitárias, escolares e institucionais à Fazenda Urbana do Cajuru, inaugurada em 2020 como espaço de educação e prática agrícola sustentável. Também atua na gestão do Mesa Solidária, na organização do Mercado de Orgânicos e na articulação com a Região Metropolitana para fortalecer a agricultura familiar.