A Escola Municipal Nossa Senhora da Luz dos Pinhais, também conhecida como “grupão”, será cenário de um documentário produzido pela tevê da República Tcheca no mês de novembro. Uma equipe estará em Curitiba para filmar a cidade, mostrando aspectos de Curitiba que são conhecidos em todo o mundo, como o sistema de transporte público e a preservação do meio ambiente.
No entanto, uma das particularidades do trabalho da televisão tcheca será a locação na Vila Nossa Senhora da Luz, o primeiro conjunto habitacional de Curitiba e sede do grupão. A definição desses locais de filmagem não foi acidental, mas escolhida a dedo porque são resultado do trabalho desenvolvido pelo principal personagem do documentário: o arquiteto Alfred Willer, autor dos projetos da Vila e da escola municipal.
Willer é tcheco de nascimento (chegou ao Brasil com 16 anos) e será personagem de um programa de tevê chamado “Raízes” que conta a história de cidadãos que deixaram a República Tcheca e desenvolveram algum tipo de trabalho relevante nos países onde passaram a viver.
O arquiteto foi o primeiro diretor técnico da Companhia de Habitação Popular de Curitiba (Cohab). Ele visitou na semana passada os locais onde haverá filmagem. Na escola, ele foi recebido pela diretora Margarete Ribeiro e pelas professoras do turno da tarde e conversou com uma turma de alunos da 5ª série.
A Escola Municipal Nossa Senhora da Luz dos Pinhais foi a primeira do conjunto habitacional e começou a funcionar em 1967, um ano após a entrega das casas. A construção, em alvenaria com a utilização de madeira nos acabamentos de cobertura e esquadrias, é única na cidade.
A obra foi financiada com recursos remanescentes de saldo de contrato para execução das casas e, depois de pronto, o projeto foi premiado pelo Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB) como o melhor da área educacional do ano de 1967.
Claraboias
O diferencial da escola são os espaços de convivência, iluminadas por claraboias, que deixam entrar iluminação natural durante o dia. Nas salas de aula também há aberturas para passagem da luz solar e as janelas são também portas que podem ser abertas para aumentar a ventilação e dar acesso aos espaços ao ar livre.
“Na época, havia uma corrente educacional que defendia a realização de aulas ao ar livre e, por isso, as salas foram pensadas dentro dessa concepção”, contou o arquiteto às professoras. Ele visitou todas as instalações da escola e considerou que a edificação está muito bem preservada.
“Todos os detalhes foram mantidos e mesmo a ampliação da escola que foi feita após a sua inauguração respeitou as características do projeto original”, disse Willer. De acordo com a diretora, Margareth do Rocio Trevisan Ribeiro, que está na escola há 24 anos, o “grupão” chegou a ter 1,2 mil alunos. Hoje, tem 450, mas que são atendidos em período integral.
A redução no número de estudantes deve-se entre outras razões a mudança no perfil das famílias da região e a queda da taxa de natalidade das famílias.
Os alunos aproveitaram o encontro com o arquiteto para satisfazer algumas curiosidades. Maria Eduarda da Cruz, de 8 anos, perguntou o que Willer sentia ao voltar à escola. Ele disse que gostou de ver que o projeto arquitetônico foi preservado. Já Antônio Mateus Pereira, de 8 anos, quis saber se era verdade que a escola foi edificada em um terreno que anteriormente abrigava um cemitério. O arquiteto disse aos alunos que essa informação não tem o mínimo de veracidade, pois o terreno onde foi construída a Vila era antigamente uma área de pasto.
O arquiteto revelou outras peculiaridades da história da escola. Uma das lendas dizia que o projeto arquitetônico da escola havia sido originariamente pensado para ser aplicado em uma escola da África, o que foi prontamente desmentido por Willer. Ajudou na construção desta crença o fato que a escola, nos meses de inverno, é muito fria.
A vila
Pelo menos 20 anos separam a última passagem do arquiteto Alfred Willer pela Vila Nossa Senhora da Luz da visita feita ao conjunto na semana passada. Localizado na CIC, ele foi o primeiro empreendimento construído pela Cohab – Curitiba.
Além da visita à Escola Municipal Vila Nossa Senhora da Luz dos Pinhais, Willer percorreu as ruas do conjunto, tirou fotos das casas e relembrou detalhes do projeto, que ele assinou com mais três arquitetos: Roberto Gandolfi, Lubomir Ficinski e Cyro Correa Lyra.
“Algumas casas ainda mantém detalhes da sua concepção original, como o sótão em madeira. Outras foram completamente alteradas, mas isso faz parte do processo de evolução de um núcleo habitacional e estava previsto no projeto, que deixava área nos terrenos para ampliação das unidades. As praças continuam como espaços de convivência e as ruas estão muito limpas”, disse ele.
Com 2.100 casas, a Vila Nossa Senhora da Luz teve suas primeiras unidades entregues em novembro de 1966 e o restante em janeiro do ano seguinte. O conjunto foi também um dos primeiros a serem erguidos no país com recursos do Sistema Financeiro da Habitação (SFH), que também estava em fase de implantação naquele momento.
Vizinhança
Construída em uma área de 800 mil metros quadrados, a Vila Nossa Senhora da Luz foi concebida de acordo com a visão urbanística que prevalecia nos anos 1960, baseado nas “unidades de vizinhança”. Isso explica porque a Vila tem em seu interior 12 praças menores e, no centro de tudo, uma grande área para onde convergem todas as ruas, que é a praça central.
A Vila é um conjunto habitacional voltado para dentro, projetado para funcionar como uma unidade autônoma no bairro, com apenas dois acessos externos, as ruas Pedro Gusso e João Bettega, que fazem a ligação com o restante da CIC e com o Centro da cidade.
No projeto original, segundo Willer, constavam duas escolas, mercado, igreja, centro comunitário, unidade de saúde e uma rua comercial com 32 lojas. Hoje, a Vila, se considerados apenas o comércio e os equipamentos comunitários, é maior do que o seu projeto previa.
Uma curiosidade revelada pelo arquiteto é que as ruas internas que levam às praças foram concebidas como vias de pedestres e só as perimetrais, que marcam o contorno da Vila é que seriam destinadas aos automóveis.
“A ideia era que adultos e crianças pudessem circular com segurança entre suas casas, as praças e os equipamentos comunitários. Mas, posteriormente, as ruas foram todas asfaltadas e os carros acabaram invadindo os espaços que eram dos pedestres”, explicou Willer. Por isso, a maior parte das ruas do conjunto é estreita, com largura de seis metros, quando, no restante da cidade, elas normalmente têm 12 metros.
A maior parte do projeto da Vila Nossa Senhora da Luz foi financiado com recursos do Banco Nacional da Habitação (BNH), que era a espinha dorsal do SFH. De lá saiu o financiamento para 1.700 casas, enquanto as demais 400 tiveram recursos da USAID – uma agência de cooperação do governo americano que atuava nos países em desenvolvimento.
O número de unidades do conjunto – 2.100 – não foi escolhido aleatoriamente, segundo Willer. Ele correspondia ao total da população que morava em ocupações irregulares de Curitiba quando o conjunto começou a ser construído. O objetivo era extinguir as favelas da cidade e transferir seus moradores para o conjunto.
Essa meta, no entanto, não pode ser cumprida, conforme lembra o arquiteto, em função de uma exigência burocrática do BNH, que condicionava a assinatura de contrato à existência de vínculo formal de emprego do chefe de família. “Como a maior parte dos moradores de favela não tinha carteira de trabalho assinada, muita gente ficou de fora e a ideia de acabar com as favelas em Curitiba naufragou”, conta Willer.