Ir para o conteúdo
Prefeitura Municipal de Curitiba Acessibilidade Curitiba-Ouve 156 Acesso à informação
Especial Dia das Mães

O desafio de criar filhos e arte: a maternidade no caminho de quatro mulheres da cena cultural de Curitiba

“Quando eu descobri que ia ser mãe, minha primeira vontade foi trabalhar com a voz”, conta a escritora e tradutora Júlia Rays da Nascimento, mãe da pequena Agnes. Foto: Acervo de familia

“Amor demais não atrapalha”. A frase dita por Cazuza à mãe, Lucinha Araújo, presente no livro Cazuza: Só as Mães são Felizes sintetiza a delicada e potente equação de ser mãe, especialmente quando se é artista. 

Para Julia Raiz, escritora e tradutora; Rosana Stavis, atriz consagrada do teatro paranaense; Denise Roman, gravurista referência na arte visual; e Janine Mathias, cantora e compositora reconhecida internacionalmente, ser mãe e artista não são papéis revezados, são identidades que se atravessam. Elas revelaram como a maternidade impacta em suas rotinas e inspiram seus processos criativos.

Maternidade além dos bastidores

No preview available
Imagem

Mãe da Júlia, hoje com 20 anos, a atriz e cantora Rosana Stavis descobriu, grávida aos 42 anos, que a maternidade transformaria tudo, inclusive sua arte. A atriz continuou nos palcos até o oitavo mês de gestação, acompanhada da banda Danorex 80, que na época fazia sucesso na capital paranaense interpretando músicas consagradas dos anos 1980. 

A chegada da filha foi acolhida como um novo ato na trajetória: Júlia cresceu entre ensaios, viagens e camarins. “Ela viajava comigo e ficava na cabine de luz, sempre respeitando muito a minha profissão”, conta Rosana.

A maternidade não parou a arte de Rosana, nem o contrário aconteceu. Uma passou a impulsionar a outra. Para ela, ser mãe de Júlia é também um projeto artístico e social. “Quando vejo o ser humano que ela se tornou, penso que esse já é um legado. Isso me dá força pra continuar criando, por mim, pela minha companhia e por ela”, diz.


No preview available
No preview available
No preview available
No preview available
No preview available
No preview available
No preview available
No preview available

Rosana Stavis, atriz.

Mesmo com passagens pelo teatro, e ter o registro profissional de atriz, Júlia escolheu seguir outro caminho, a arquitetura, área que também remete à criatividade. E Rosana reconhece que, apesar da maternidade ser um caminho transformador, não deve ser imposto. “Filho é para sempre. Não é para fazer e deixar os outros criarem. Mas também não é para toda mulher, é para quem deseja, quem quer essa responsabilidade, porque muda tudo, mas também te move”.

Impulso ancestral

No preview available
Imagem

Para a cantora e compositora Janine Mathias, ser mãe é um impulso ancestral e um ponto de virada artística. Mãe de Khalil, de 4 anos, a cantora compartilha que a maternidade a fez repensar a forma como se coloca no mundo. “Ela me inspira, me influencia a desejar novos voos. Afinal de contas, eu tenho uma nova geração para alimentar com a minha história de vitória”, destaca Janine.

A arte e a maternidade, na visão dela, são inseparáveis, ainda que, muitas vezes, o mercado tente forçá-las a serem. “Já fui retirada de trabalhos por ser mãe, por não poder ter a disponibilidade para estar naquele show pois o cachê não cobria o valor de pagar uma babá e eu não tinha com quem deixar ele”, conta a artista. 

Entre shows, ensaios e turnês, Janine ainda organiza sua agenda para criar espaços de presença real com o filho. Mas a ausência também pesa. Durante uma turnê internacional, a saudade apertou. “Teve um momento que eu pensei, o que eu estou fazendo aqui? Quando voltei, a gente ficou abraçado por uns 20 minutos, sem se desgrudar”.


No preview available
No preview available
No preview available
No preview available
No preview available
No preview available
No preview available
No preview available

Janine Mathias, cantora e compositora.

Hoje, Janine está gravando um disco infantil e já filmou um clipe com o filho. A experiência da maternidade a fez refletir sobre que música e que mundo deseja deixar para Khalil. “Minha identidade agora está sendo compartilhada com outro ser. Às vezes quero fazer um vídeo de divulgação, por exemplo, e ele aparece, e é uma vitória poder dizer que meu filho faz parte dessa construção”.

Sua voz, ela diz, agora carrega um novo sentido. “Ganhou força e um direcionamento ancestral. A maternidade me tornou mais visceral, mais inteira. Janine também deixa um conselho para o Dia das Mães. “Viva a sua arte, porque a maternidade não te limita, ela transforma”.

Entre cirandas, bailarinas e tintas

No preview available
Imagem

Os cenários criados por Denise Roman, uma das mais destacadas gravuristas da geração que passou pelos ateliês do Solar do Barão, remetem a fábulas e contos de fadas. Suas obras são ricas em detalhes, povoadas por personagens encantados e, quase sempre, por crianças.

Mãe de quatro filhos adultos (Romã, Mateus, Paulo e Renata), Denise vê na maternidade uma de suas maiores fontes de inspiração. A vivência materna se reflete em cenas como meninas dançando no pátio, um menino que chega de bicicleta, a bailarina que se prepara para entrar no palco ou as rodas de ciranda onde a infância celebra a vida. Os folguedos e brincadeiras infantis aparecem em sua arte com leveza, criatividade e otimismo.

“A maternidade e meus filhos sempre me inspiraram muito, e continuam inspirando, agora também com os netos”, conta a artista. Ela cita as séries As bailarinas e Meus queridos engenheiros como exemplos dessa influência, presente até mesmo nos figurinos dos personagens que desenha.

Entre todas as suas obras, Os 4 filhos de um casal de artistas talvez seja a que mais traduz essa conexão afetiva com a família, uma homenagem direta aos filhos que tanto a inspiraram.

E a via é de mão dupla. Os quatro filhos do casal de artistas também cresceram rodeados de arte. “Quando eram pequenos, frequentavam o Solar do Barão, faziam cursos. Acho natural que tenham desenvolvido essa ligação com o universo artístico”, diz Denise, feliz da marca que a arte e a maternidade deixaram em sua trajetória e na de seus filhos.

Gestação, pandemia e criação

No preview available
Imagem

“Quando eu descobri que ia ser mãe, minha primeira vontade foi trabalhar com a voz”, conta a escritora e tradutora Julia Raiz do Nascimento, mãe da pequena Agnes. A gestação, vivida no início da pandemia, não foi planejada, mas trouxe novas urgências criativas. 


No preview available
No preview available
No preview available
No preview available
No preview available
No preview available
No preview available
No preview available

 Julia Raiz, escritora e tradutora

Julia, mesmo indisposta fisicamente, pensou o que poderia oferecer em troca, mesmo estando em casa no período gestacional. Foi aí que nasceu o Raiz Lendo Coisas, podcast da autora que durou três anos. A proposta era simples: receber histórias e responder com um poema.

A maternidade, então, começou antes mesmo do parto, a influenciar sua prática artística, tanto na forma quanto no conteúdo. Depois do nascimento de Agnes, vieram outras mudanças. “A relação com o tempo mudou totalmente. Comecei a me interessar mais pelo gênero ensaio em fragmentos, porque eu tinha menos tempo, precisava fazer valer cada intervalo”, diz a escritora. 

Para Julia, a maternidade é mais do que pessoal. “Já participei de movimentos sociais, de partido político, coordenei políticas públicas de leitura, mas a experiência da gestação foi a mais política de todas”, relata a escritora, que também faz parte do Conselho do Plano Municipal do Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas.

Dessa escuta também nasceram obras. O livro Bebê tem fascinação por lâmpadas surgiu da vivência com as profissionais de saúde durante o pré-natal. “Foram oito meses de conversas com trabalhadoras do SUS, do programa Mãe Curitibana, onde eu era atendida. Isso atravessou minha escrita completamente”, afirma Julia.

O recado neste Dia das Mães, para Julia Raiz, é um convite coletivo à prática artística, ainda que por breves momentos do dia, mesmo para quem não é artista profissional. “É esse respiro que mantém a gente viva”, ressalta a escritora.