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Consciência Negra

Conheça a história de quatro mulheres negras curitibanas com trajetórias na arte e na educação

Odelair e seu riso alegre. Foto: Acervo/Casa da Memória

Texto: Lila Fachim
Secretaria Municipal da Comunicação Social (Secom)

Laura Santos, Maria Nicolas, Evanira dos Santos e Odelair Rodrigues. O que essas quatro mulheres têm em comum? Todas são negras, curitibanas e marcaram profundamente a história cultural do Paraná. Suas trajetórias, embora distintas, se cruzam na resistência, no talento e na coragem de ocupar espaços em tempos em que o racismo impunha ainda muitas barreiras, especialmente para as mulheres.

No mês da Consciência Negra, o Departamento de Patrimônio Cultural da Fundação Cultural de Curitiba coloca luz nas trajetórias dessas quatro personagens femininas que abriram caminhos e inspiraram novas gerações de artistas e intelectuais negras.

“Essas mulheres abriram caminhos para tantas outras e têm trajetórias interessantíssimas. A Laura Santos, por exemplo, foi uma poeta que circulava nas altas rodas intelectuais da sua época e a única mulher entre os criadores da Academia Paranaense de Letras. Todos elas precisam ser celebradas”, destaca a pesquisadora da Fundação Cultural de Curitiba, Ângela Medeiros, responsável pelo levantamento.

As histórias das quatro Pérolas Negras percorrem as décadas de 1940 a 1980 e mostram conquistas individuais, mas também a presença e a força das mulheres negras na construção da cultura curitibana.

Laura Santos

Laura Santos é considerada uma raras poetas negras de Curitiba da metade do século 20. Nascida em 30 novembro de 1919 (mês da Consciência Negra), fez magistério e ministrou aulas de português e matemática. Laura também cursou enfermagem e tornou-se educadora sanitária, responsável por orientar a população sobre hábitos de higiene, e exerceu este ofício até a aposentadoria.

A vocação para a escrita esteve presente desde muito jovem. Com seu texto de estreia História da Evolução da Aviação, venceu um concurso literário promovido pela Base Aérea em 1937. Dois anos depois, foi uma das duas mulheres a integrar o grupo fundador da Academia de Letras José de Alencar, sedimentando caminhos para a expressão literária de outras mulheres negras.

Em 1953 o Centro Paranaense Feminino de Cultura organizou a coletânea Um século de Poesia: poetisas do Paraná. Laura Santos com Poemas da noite, Sangue tropical e Desejo foi a única escritora negra nessa publicação. Numa época de forte tradicionalismo, ela ousou ao expressar, de maneira quase erótica, o amor rompido. Influenciada pela estética parnaso-simbolista, principalmente por Olavo Bilac, criou uma poética diferenciada e moderna com traços biográficos.

Falecida em 1981, Laura se faz viva através do grupo literário curitibano As filhas de Laura Santos, formado por 11 mulheres negras que buscam se alinhar com a liberdade presente na obra da poeta.

Evanira dos Santos

Evanira dos Santos nasceu em Curitiba em 1939, em uma família de músicos. Iniciou cedo a carreira como cantora, aos 13 anos, na Rádio Guairacá, e depois de um ano na emissora foi convidada para cantar no programa Feira da Alegria, atração tradicional e popular.

A artista cantou em público pela primeira vez em um show de calouros que acontecia todos os domingos, em um parque de diversões perto de sua casa, na Vila Isabel, e já terminou o dia com o prêmio de primeiro lugar. Com o sucesso, foi chamada a ter seu próprio programa na Rádio Colombo: Evanira Canta para seu Almoço.  

Entre os anos de 1957 a 1963, foi premiada mais de uma vez como Melhor cantora do Paraná. Na época, cantou na inauguração do segundo canal de televisão do Paraná, o Canal 6, ao lado de Pery Ribeiro, artista que ela admirava muito.

Em 1971 estreou como atriz nas peças Arena Canta Zumbi e Arena canta Tiradentes. Tomou gosto pelo teatro de imediato e decidiu se profissionalizar, frequentando cursos na Fundação Teatro Guaíra e na Fundação Cultural de Curitiba.

Quatro anos depois, Evanira protagonizou o consagrado show Funeral para um Rei Negro no Teatro do Paiol. Ao lado do amigo músico Palminor Rodrigues Ferreira, o Lápis, pôde unir as duas paixões, cantar e atuar nos palcos. Nos anos 1990, participou ainda de duas dramaturgias Marcelo Marchioro, a Ópera dos 3 vinténs e As Bruxas de Salém.

Pouco tempo depois, foi convidada pela Fundação Cultural de Curitiba para estar à frente da Coordenação de Música e organizar oficinas. Em 2001, Evanira se tornou coordenadora do Museu de Arte Sacra de Curitiba e da Casa Romário Martins, no outro lado da rua. Ali se aposentou em 2009. Hoje, aos 86 anos, reside no município de Laguna, em Santa Catarina.

Maria Nicolas

Ela é nome de escola municipal e também de Casa da Leitura. Maria Nicolas, curitibana, nasceu em 1899. Na virada do século, lecionava com apenas 13 anos de idade. Quatro anos depois, formou-se a primeira professora negra do Paraná na Escola Normal. Só em 1950 fez faculdade e se formou em Pedagogia, na Universidade Federal.

Além de docente, foi escritora, poeta, historiadora, contista, dramaturga, teatróloga, novelista, biógrafa, pesquisadora e pintora. Em 1936, editou o livro Porque me orgulho de minha gente, que dedicou aos seus professores.

Sua obra mais conhecida, porém, é a série Almas das Ruas, de 1977, uma coletânea que reúne a biografia dos personagens que dão nome às praças e ruas de Curitiba. Numa época em que poucas mulheres tinham acesso à educação, Maria Nicolas lutou para ter um lugar ao sol.

Maria Nicolas viveu modestamente, da aposentadoria como professora primária. Faleceu aos 88 anos, na Santa Casa de Misericórdia de Curitiba no ano de 1988 — centenário da Abolição da Escravatura.

Odelair Rodrigues

A curitibana Odelair Rodrigues nasceu em 1935. A mãe, dona Alice Costa da Silva, lutou para que as filhas estudassem e em 1950 Odelair ingressou no Colégio Estadual do Paraná. Aluna dedicada, descobriu ali mesmo a paixão pelo teatro, além de conhecer futuros companheiros de profissão como Ary Fontoura, Ariel Dotti e Sinval Martins.

O sonho de atuar exigiu persistência. A estreia nos palcos aconteceu aos 17 anos, em 1952, e com ela surgiram os primeiros elogios da crítica. Odelair começou participando de montagens estudantis, colaborando nos bastidores ou fazendo ponta, até receber um convite para a peça dirigida por Ary Fontoura, Sinhá Moça Chorou, aos 19 anos.

A jovem precisou da autorização da mãe, que mesmo temendo o preconceito que a filha sofreria como mulher negra e atriz, liberou. Anos depois, ela e Ary se aventuraram na comédia de Dr. Pomposo (Ary Fontoura) e o delegado Alcebíades (Odelair Rodrigues), em um programa no Canal 6 na TV Paraná.

Em 1966, os dois ainda foram ao ar na novela dramática O Direito de Nascer. Apesar de se sentir insegura com a mudança de gêneros, a atriz viveu brilhantemente Mamãe Dolores, escrava que fugia com um bebê recém-nascido para livrá-lo da morte. Foi um sucesso, e por esse trabalho, a artista recebeu o Prêmio Curumim em 1966.

Odelair não se limitou à dramaturgia clássica. Na Rádio Clube Paranaense, fez aparições ao vivo, além de ser atriz de cinema e das novelas na televisão como Escrava Isaura, Vida Roubada e Estranha Melodia.

Em 2002, em homenagem a essa mulher consagrada como um dos grandes talentos das artes cênicas do Paraná, o diretor Marco Zenni criou o Espaço Cultural Odelair Rodrigues, que costumava ser na Avenida Sete de Setembro e hoje fica na Rua Treze de Maio. No ano seguinte, aos 68 anos, Odelair faleceu em decorrência de problemas cardiorrespiratórios.