O médico aprovado no último concurso da Prefeitura e que no próximo dia 29 de julho escolher trabalhar na Unidade de Saúde Camargo, no bairro Cajuru, assumirá uma grande responsabilidade. É que a partir de agosto ele ocupará o consultório onde, nos últimos 17 anos, o clínico geral Mário Stival perdeu a conta de quantos pacientes atendeu e amigos fez para toda a vida. "Acho que eram umas 400 pessoas por mês", estima o profissional de saúde, que está deixando o posto de trabalho - e uma legião de pacientes agradecidos - para se aposentar.
Foram 30 anos "e alguns meses" somente na Secretaria Municipal da Saúde e mais de 140 mil atendimentos, numa rara história de dedicação à saúde coletiva. Tudo começou com a aprovação no concurso público de 1980. De todo esse tempo, os outros 13 anos de trabalho foram cumpridos na Unidade Cajuru, perto do local onde acaba de atender os últimos pacientes de seus 38 anos de medicina. "A experiência dele foi muito importante para inspirar as várias gerações de profissionais de saúde que passaram por aqui", avalia a chefe da Unidade Camargo, Viviane Pierone.
Em sintonia com a atual política da Prefeitura para toda a rede municipal de saúde por meio do programa de reeducação alimentar e dos núcleos de apoio em atenção primária à saúde (Naaps), Mário Stival deu início a ações então inovadoras. Em 1983, por exemplo, criou grupos de acompanhamento de pacientes idosos e o almoço comunitário dos hipertensos, para incentivar o domínio sobre o valor dos alimentos, adoção de dietas saudáveis e menor dependência de consultas médicas e remédios.
Também implantou uma atividade física que ele denominou caminhada assistida, em que os pacientes, sob o olhar atento da equipe de saúde, faziam exercícios físicos leves em torno do quarteirão da unidade de saúde.
"Todos nós vamos sentir muito a falta dele", lamenta a auxiliar de serviços gerais aposentada Marlene Monteiro, de 70 anos, que se tratava com Stival há 20 anos. A fim de homenageá-lo, ela e outros oito pacientes levaram presentes e palavras carinhosas para o médico no dia em que ele retornou à Unidade Camargo para visitar os colegas de trabalho. Surpreso, Stival deixou o local abraçado em presentes. Foi o primeiro reencontro antes da missa de ação de graças que a comunidade do bairro já mandou rezar no próximo dia 18, um domingo, na igreja de São Cristóvão.
Marlene, que representou outros quatro pacientes do clínico - o marido Maury Leal, a nora Sônia Maria Maria Antunes e os filhos Éder Monteiro e Paulo Sérgio Santos - levou um arranjo de flores e um abraço emocionado. Já a dona-de-casa Nelci Norte, de 55, entregou uma Bíblia e o chaveiro mandado pelo marido e também paciente, Francisco Norte. "Ele não é só médico. É também pai, irmão, amigo", resume.
O aposentado e vendedor de caldo de cana Waldemar Dias de Sousa, de 76 anos, deixou o trabalho mais cedo somente para ver Stival. Especialmente trajado de terno e gravata, fez questão de agradecer os mais de 20 anos de atenção recebida. "Não se acha alguém assim em qualquer parte. Ele é especial", resume.
O segredo da intensa identificação com os usuários das duas únicas unidades de saúde de toda a sua carreira no serviço público municipal, explica Stival, está no fato de trabalhar exatamente na área que sempre o cativou - a saúde coletiva. "Sinto-me plenamente realizado por isso. Me agrada muito ouvir as pessoas com calma e, de alguma maneira, ajudar a transformar sua percepção sobre as causas das doenças e da saúde", afirma ele, um paulista do bairro Ipiranga que veio para Curitiba a fim de estudar e nunca mais deixou a cidade.
Mário Stival se formou em Medicina pela Universidade Católica do Paraná, hoje Pontifícia Universidade Católica (PUC), em 1967. Ter um filho médico era o sonho do pequeno agricultor italiano Fioravante Stival, que imigrou para o Brasil em 1932, e aqui teve três filhos. Mário, o filho do meio, realizou em parte o sonho do pai. É que o pai queria um médico cirurgião - de preferência cardiologista - mas a escolha do filho recaiu sobre a saúde pública, mesmo depois de ter se especializado em Medicina Interna e Medicina do Trabalho. "Com certeza ele está vendo que realizei os nossos sonhos com muita dignidade", reflete o médico, referindo-se ao pai já falecido.
Além dos estudos e da carreira, foi em Curitiba que Mário Stival se casou com a professora Terezinha de Jesus Stival, já aposentada, teve três filhos como o pai - mas nenhum médico - e, agora, cuida do futuro. Aos 65 anos completados no dia 5 de julho, morador do bairro Jardim das Américas, ele planeja um retorno à universidade.
"Já está tudo certo: vou estudar antropologia cultural, algo que sempre me atraiu muito", revela.
Segundo ele - que nessas três décadas assistiu a uma mudança radical da relação saúde/doença na cidade e à universalização da assistência a partir da implantação do Sistema Único de Saúde (SUS) - não faria o menor sentido deixar passar esse momento especial para aprofundar o aprendizado acumulado durante todos esses anos de clínica, ouvindo uma história mais interessante que a outra para poder ajudar as pessoas. "Sempre me empenhei em entender os porquês das coisas e agora é a época ideal para fazer isso com mais calma", explica.