A Escola Municipal Professor Brandão é um pequeno recorte do mundo. Ali são atendidos estudantes de 15 nacionalidades, vindos de países e culturas tão diferentes quanto Portugal e China, Haiti e Estados Unidos, Japão e Grécia. Localizada no Alto da Glória, a unidade espelha uma realidade que se estende para toda a rede municipal de Curitiba. Ao todo, são atendidos na rede 755 crianças e adolescentes estrangeiros, de 44 nacionalidades – um cenário que traz lições de diversidade para a comunidade escolar e que exige da Secretaria Municipal da Educação um trabalho especial de assessoramento para estudantes e profissionais envolvidos com a escolarização do imigrante.
Os 755 estrangeiros estão distribuídos em 203 escolas e Centros Municipais de Educação Infantil (CMEIs). O levantamento, feito por assessores estatísticos de Departamento de Planejamento e Informação da Secretaria Municipal da Educação, indica um crescimento no número de matrículas de estudantes nascidos fora do país ou de filhos de estrangeiros. Ele servirá de base para reforçar as ações de inclusão que já são desenvolvidas na rede municipal de ensino.
“O levantamento é um diagnóstico que identifica características e regiões da cidade onde há maior concentração de estudantes estrangeiros. São dados fundamentais para que possamos preparar os profissionais da educação para uma demanda muito especifica, que tem aumentando e precisa ser atendida a partir dos princípios de equidade que norteiam a rede de ensino do município”, diz o diretor do Departamento de Planejamento e Informação, Leandro Jiomeque.
Os haitianos formam o maior grupo de estrangeiros na rede. São 59 crianças de 0 a 5 anos recebendo atendimento em período integral nos CMEIs e 63 estudantes em turmas do ensino fundamental, nas escolas. A eles se somam os adultos atendidos pelo projeto Haiti, que oferta curso instrumental de língua portuguesa para homens e mulheres que já têm escolarização, mas que precisam aprender o idioma. Quase 400 haitianos já foram certificados desde 2013, quando o projeto foi criado.
Também são numerosos os estudantes nascidos no Japão ou filhos de japoneses que vieram viver no Brasil; são 108 matrículas distribuídas em 104 escolas e quatro CMEIs. Há também estudantes de Portugal, Estados Unidos, Espanha, Paraguai, Grã-Bretanha, Itália, Colômbia, Argentina, Peru, Angola, Congo, China, Venezuela, França, Síria, Chile, Bolívia, Uruguai, República Dominicana, Equador, Honduras, Bélgica, Moçambique, Rússia, México, Suíça, Canadá, Andorra, Alemanha, Índia, Cabo Verde, Quênia, Roménia, Irã, Cuba, Holanda, Nigéria, Coréia do Sul, Nova Zelândia, Austrália, África do Sul e Grécia.
A presença de estrangeiros é maior em unidades escolares em bairros das regionais Cajuru (124) e CIC (102). Os 755 estudantes estão divididos entre estrangeiros com famílias estrangeiras (69%), filhos de pais brasileiros, mas nascidos fora do país (20%), alunos que possuem ao menos um responsável estrangeiro (10%) e brasileiros naturalizados, que correspondem a 1%.
Barreira da língua
A diversidade de etnias é grande, porém o desafio é comum a todos: a adaptação à língua portuguesa, que é o ponto de partida para a inclusão, independentemente das cores da bandeira do país de origem. Para que isso aconteça, a Secretaria Municipal da Educação trabalha não apenas junto ao aluno, mas também com os profissionais que o atendem.
O assessoramento vai da orientação sobre a regularização do documento escolar e reunião com as famílias até a formação para os professores e pedagogos das escolas. A orientação ajuda as equipes a identificar os aspectos importantes da cultura do estudante e que são capazes de influenciar e contribuir no processo de inserção na escola. Servem também para o desenvolvimento de estratégias diferenciadas de ensino, com a criação de currículos adaptados.
É o que acontece na Escola Municipal Professor Brandão, onde são atendidos estudantes chineses, portugueses, suíços, paraguaios, sírios, americanos, venezuelanos, gregos, equatorianos, romenos, japoneses, argentinos, colombianos, haitianos e italianos. Juan Alejandro Arbelaez, de 8 anos, é um deles. Veio com sua família de Manizales, na Colômbia, há três anos, e desde que chegou está sendo atendido na escola onde iniciou seu processo de alfabetização.
Com poucas lembranças do país de origem, Juan sabe com clareza o que mais aprecia no Brasil. “Eu gosto muito de morar aqui porque é fácil fazer amigos e as pessoas estão sempre prontas a ajudar e cuidar umas das outras e também dos animais”, diz Juan Alejandro.
Verônica Giraldo, mãe de Juan e de Juanita Arbelaez Giraldo, de 5 anos, também matriculada na escola, conta que a família saiu da Colômbia para conhecer outro país, experimentar outras culturas e ampliar as possibilidades de formação dos filhos. “Queríamos que as crianças pudessem viver e se formar em um país com variedade de recursos naturais, que pudessem estar mais seguros do que em nosso país de origem e que recebessem educação de qualidade”, diz Verônica.
Curitiba foi a cidade brasileira escolhida depois de uma longa pesquisa – segundo Verônica, por causa do clima, da economia e da qualidade de vida. “Sou muito feliz aqui, vejo meus filhos sendo acolhidos com carinho e com cuidado na escola por professoras maravilhosas. A cidade é linda, tem lugares e parques em que nossos pequenos podem brincar e serem felizes. Isso não tem preço”, diz ela.
A necessidade de os estudantes estrangeiros se adaptarem ao idioma exige da equipe pedagógica da escola uma preparação especial para garantir um bom acolhimento e a efetiva inserção na comunidade escolar, não apenas do aluno, mas também da família.
“A expectativa do trabalho desenvolvido aqui na unidade é incluir de forma eficiente e acolhedora os alunos e também as famílias. Por isso criamos estratégias que vão desde a comunicação por imagens até a utilização de recursos didáticos e tecnológicos para conseguir um bom atendimento”, explica a diretora Alessandra Klettenberg Dalla Benetta.
A vice-diretora, Vera Regina Talyer de Lima, diz que a presença dos estrangeiros em sala de aula contribui para a construção de novos conhecimentos na turma a partir da diversidade cultural. “Eles agregam valores às aulas comentando sobre as tradições do seu país de origem e até ensinando um novo idioma aos amigos, funcionários e professores da escola”, diz Vera.
Curso para professores
Os assessoramentos começaram a ser realizados em 2014, depois que a coordenação de Línguas Estrangeiras do Departamento de Ensino Fundamental foi acionada por escolas que haviam recebido mais de um estudante estrangeiro, por vezes de diferentes nacionalidades. Além do atendimento direcionado às unidades, a partir da característica do imigrante, a coordenação de Línguas Estrangeiras passou a promover o curso Integração e Imigração: entendendo o processo dos alunos estrangeiros nas escolas da rede municipal de ensino de Curitiba. São quatro horas de formação, durante as quais os professores conhecem a política de acolhimento e ensino para os estudantes de outras nacionalidades.
Neste ano já houve um curso realizado em março, com a participação de 50 pessoas. Além dos profissionais da rede municipal de ensino, a formação teve a participação de professores da rede estadual de ensino, em busca de orientação para melhor atender estudantes estrangeiros em escolas estaduais. Em agosto será realizado um novo curso.
No curso são repassados os procedimentos legais de matrícula, de classificação do estudante no ano escolar, adaptação curricular para o contexto escolar brasileiro além de inúmeros procedimentos pedagógicos.
Uma das principais orientações, explica Marcos Davel, da equipe de língua estrangeira da Secretaria Municipal da Educação, é para que o profissional da educação compreenda que não existe uma padronização no atendimento de estudantes estrangeiros. “Antes de iniciar o processo de escolarização é preciso garantir um bom acolhimento e adaptação do estudante para inseri-lo em uma nova cultura escolar. O importante no primeiro momento é que ele consiga se relacionar com colegas e professores e aprenda a língua portuguesa para, a partir daí, iniciar o ensino dos conteúdos dos componentes curriculares”, diz Marcos.
Também foram realizados neste ano assessoramentos personalizados em nove escolas municipais para atender estudantes americanos, paraguaios, japoneses e haitianos. Para fazer o atendimento, a equipe de língua estrangeira produziu um material próprio a partir das experiências vivenciadas nas escolas municipais.
“São experiências muito bem-sucedidas, a partir do princípio da equidade, que pensa em cada estudante a partir da sua necessidade e busca alternativas para que todos, independentemente de condições, tenham o direito a aprender”, diz a secretária municipal da Educação, Roberlayne Borges Roballo.
Cada estudante estrangeiro que vem aprender em uma escola ou em um CMEI do Município traz consigo belas histórias para ensinar. Compreender as diferenças culturais, questões religiosas, além da diversidade racial, é fundamental para inserir o estudante na rotina da escola. Em geral, são necessários cerca de três meses para que os estudantes consigam se comunicar em português.
“Para o imigrante, aprender o idioma é fundamental para sua inclusão no ambiente escolar. Contudo, a solidariedade e o espírito colaborativo próprios do ambiente escolar é o que vai garantir que ele se sinta inserido no grupo, que se comunique e que a partir daí encontre seu espaço de cidadão na sociedade”, diz Roberlayne.