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Superação

Casa da Mulher cria programa para melhorar empregabilidade de vítimas de violência

"O trabalho dignifica as mulheres que passam por violência; você volta a ser gente."

Ana*, 46 anos, sofreu violência doméstica por 25 e sua avaliação resume o objetivo do novo programa que começou a ser desenvolvido na Casa da Mulher Brasileira de Curitiba: reinserir as mulheres no mercado de trabalho como forma de superar a situação de violência.

No primeiro semestre de 2017, 230 mulheres que passaram pelo atendimento da Casa buscaram vagas de emprego no setor de Autonomia Econômica do Trabalho/Fundação de Ação Social instalado no local. Poucas, no entanto, foram contratadas e um número ainda menor conseguiu se manter no trabalho.

Essa situação motivou a coordenadora da Casa, Sandra Praddo, a implementar uma estratégia voltada a capacitar melhor aquelas que querem se inserir no mercado.

Segundo ela, se trata da primeira iniciativa entre as Casas de Mulheres espalhadas pelo Brasil. Mas não é um problema exclusivo da capital e região metropolitana – já foi aferido, inclusive, na Pesquisa de Condições Socioeconômicas e Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de 2017, feita pelo Instituto Maria da Penha nas capitais nordestinas.

Início da jornada
O projeto de empregabilidade em Curitiba está começando como um piloto, desenvolvido em parceria com o grupo Mulheres do Brasil, Universidade Positivo (UP) e a FAS/Trabalho

Segundo Sandra, o desafio atual é atrair um número maior de mulheres para os encontros semanais nos quais elas recebem desde apoio psicológico (necessário muitas vezes para vencer uma autoestima bastante abalada) até dicas de comportamento e apresentação pessoal numa entrevista de emprego.

A tarefa nem sempre é simples, apesar dos contatos individuais, na medida em que a situação particular de muitas delas normalmente “joga contra” uma participação mais ativa.

Ajuda, sim
A vendedora Bárbara*, de 26 anos, entretanto, atesta que as orientações ajudam – e muito. Atendida pela Casa depois de uma série de violências psicológica, verbal e emocional do ex-parceiro, ela tem participado dos encontros e diz que sua autoestima e confiança na hora de buscar trabalho aumentaram de maneira significativa.

“Em uma entrevista, é lógico que a pessoa vai ver o seu rosto, semblante, jeito de vestir e falar”, diz ela. “A gente que sofreu agressão não consegue passar confiança.”

Ana, por sua vez, está enfrentando dificuldades para encontrar emprego por não possuir experiência registrada em carteira. Ela trabalhou com o marido por mais de 20 anos. Quando se separaram, ela conta que ele ficou com casa, empresa e todos os bens – o que é denominado de violência patrimonial.

“Não posso ficar esperando o dia em que ele vai resolver pagar pensão”, afirma. “Para que a vida retome, é preciso ter um trabalho digno e sustento. É o mínimo que a gente merece."

Barreira e união
Além desse tipo de superação, as vítimas muitas vezes precisam lidar com a insistência dos ex-companheiros em coagi-las, tentando impedi-las de trabalhar ou estudar, como aconteceu com Luiza*, 19 anos, que engravidou do namorado aos 16. Agora, ela recupera o tempo perdido e está concluindo o ensino fundamental.

Menina de poucas palavras, ela explica os efeitos que os encontros na Casa estão tendo nesta fase de sua vida: “Me ajudam a aprender o jeito de tratar as pessoas, de me comunicar e me desenvolver. Agora as coisas vão melhorar para mim”.

Com um problema comum que se revela em vários tipos de violência contra cada uma delas, um instrumento que vem ajudando essas mulheres é o grupo de whatsapp, no qual dividem suas experiências e motivam-se mutualmente. “Falar sobre o que aconteceu tira um peso de cima da gente”, conta Luiza.

Realidade comum
Casos como o de Ana, Bárbara e Luiza são comuns – a Casa da Mulher Brasileira realizou quase 9.000 atendimentos entre janeiro e setembro deste ano.

A Pesquisa de Condições Socioeconômicas e Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de 2017, do Instituto Maria da Penha, feita nas capitais nordestinas, mostrou que o a violência contra mulheres tem um impacto muito negativo na vida das vítimas, o que reforça a importância da melhoria da capacitação para este público enfrentar as dificuldades.

De acordo com o levantamento, as vítimas de violência doméstica têm menor produtividade, ganham menos e são mais instáveis no trabalho.

O tempo médio de permanência no emprego para essas mulheres nos 12 meses anteriores à pesquisa é 22% menor em comparação às que não sofreram (58 meses contra 74).

Ana, por exemplo, viu isso de perto. Ela conseguiu dois empregos depois da separação. Mas precisou sair, depois que ele descobriu onde ela estava trabalhando e passou a ameaçá-la. “Eu ‘sujei’ minha carteira. Ficava imaginando o que aconteceria se ele tentasse me matar no trabalho, se machucaria mais alguém”, conta.

Análise
A advogada trabalhista Sandra Lia Bazzo, que coordena a causa de combate à violência contra a mulher do grupo Mulheres do Brasil no Paraná, explica que o empoderamento econômico é uma das questões fundamentais para a superação da situação de violência.

“A mulher [em situação de violência] normalmente não tem para onde ir, não tem apoio da família e não tem apoio social”, afirma. “Se também não tiver emprego, não vai sair de casa, principalmente com os filhos.”

Projeto-piloto
Um dos objetivos do projeto que está sendo coordenado por Sandra é desenvolver uma metodologia de trabalho que possa ser replicada em outros municípios que tenham a estrutura similar à de Curitiba – segundo ela, a parceria com o grupo Mulheres do Brasil, formado por empresárias, é fundamental.

“O assunto está se multiplicando no espaço empresarial privado, que era muito hermético e fechado a essas questões”, diz Bazzo.

A advogada acredita que a mudança de mentalidade nas empresas é importante não apenas para novas funcionárias, mas também para aquelas que já estão empregadas.

Serviço
Casa da Mulher Brasileira

Local: Avenida Paraná, 870, Cabral.
Horário: De segunda a segunda, 24 horas por dia.
Telefone: (41) 3252-1048.

*Os nomes são fictícios para preservar a identidade das mulheres.