Antes de subir ao palco como integrante da Camerata Antiqua de Curitiba, é preciso passar por outro tipo de apresentação. Uma audição silenciosa, íntima e tensa, onde cada nota é observada com lupa por uma banca especializada. Nada de aplausos, nem plateia: ali, o som fala por si. E entre arcos firmes e mãos experientes, o coração bate mais forte.
Nesta semana, a Capela Santa Maria, mais acostumada a ser palco de concertos ovacionados, abriga a segunda fase da seleção para novos músicos da Camerata. Foram 30 inscritos para a vaga de violinista e 25 para as duas vagas de violoncelista, de diferentes estados, com currículos respeitáveis e um sonho em comum: tocar com uma das formações mais reconhecidas do país.
Enquanto isso, nos corredores do mesmo prédio histórico, o Coro da Camerata recebe os cantores recém-aprovados no processo seletivo. Para eles, a espera já virou realidade. E, para quem faz a audição hoje, o desejo ainda pulsa entre partituras, arcadas e respirações contidas.
A prova do som
O processo seletivo da Camerata Antiqua de Curitiba é organizado pelo Instituto Curitiba de Arte e Cultura (Icac), responsável pela gestão do grupo em parceria com a Fundação Cultural de Curitiba. A seleção ocorre em duas etapas: uma primeira fase eliminatória, com envio de currículo e vídeo com performance.
Na segunda, os músicos se apresentam ao vivo, em provas individuais. É ali que a banca avalia técnica, afinação, fraseado, estilo, articulação e postura. O repertório inclui peças obrigatórias de J.S. Bach, concertos de Mozart e excertos orquestrais de Tchaikovsky, Shostakovich e Bartók.
Para a avaliação dos violinistas, a Camerata trouxe como convidado especial o spalla da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp), Emanuele Baldini, um dos nomes mais respeitados da música de concerto na América Latina. Ser ouvido por Baldini, para muitos candidatos, já é um marco na carreira.
“A Camerata é um dos grupos mais importantes do Brasil. Participar da escolha de novos integrantes é uma responsabilidade grande, porque não se trata apenas de avaliar técnica, mas de perceber quem tem algo a dizer com o instrumento. A seleção é uma vitrine do talento musical que temos no país”, comentou o violinista da Osesp.
O desafio técnico é apenas parte do processo: controlar o nervosismo e manter a expressividade musical também contam pontos. Cada candidato precisa atingir no mínimo 80 pontos para ser considerado apto. E mesmo os que não garantirem a vaga imediata podem entrar em um cadastro de reserva.
O que está em jogo
Além do reconhecimento artístico, os músicos aprovados passam a integrar um corpo profissional com vínculo CLT, carga horária de 25 horas semanais e agenda que inclui concertos, turnês e projetos educativos. Mas o que mais pesa, para muitos, não está no edital: é o prestígio de fazer parte de um grupo com 50 anos de trajetória e respeito nacional e internacional.
"Para quem faz a prova, o nível de estresse é enorme: são muitos anos de estudo colocados em jogo em poucos minutos. E pra gente, que está do outro lado, também é tenso. Existe a expectativa de preencher as vagas com músicos que estejam à altura do grupo. A Camerata tem essa característica de acolher novos talentos, faz parte da nossa história. Mas, por ser um grupo de câmara, mais enxuto, essas oportunidades de renovação acontecem com menos frequência do que em uma orquestra sinfônica. Por isso, quando acontecem, tudo ganha ainda mais peso. A adrenalina é grande, mas no fim dá tudo certo”, comenta o spalla da Camerata, Winston Ramalho.
O início de um novo ciclo
Para os cantores aprovados, o trabalho começou hoje. A manhã foi de ensaio e integração, com vozes novas misturando-se às já conhecidas. O mesmo acontecerá com os músicos que forem selecionados nesta semana. A estreia oficial está prevista para setembro, após o período de experiência.
O processo seletivo do Coro também atraiu grande atenção: foram 85 inscrições, com candidatos de 15 estados brasileiros e do Distrito Federal. Embora a maioria das candidaturas tenha vindo do Paraná, 70% delas de Curitiba, a repercussão nacional do edital revelou o alcance artístico do grupo.
De São Luís do Maranhão, Ana Luísa Girnos Figueiredo morava em São Paulo quando soube da vaga e não pensou duas vezes. “É raro demais ter uma oportunidade assim, fazendo o que a gente ama”, contou ela, nova integrante do Coro, que chegou nesta terça-feira (29/7) para seu primeiro ensaio. “Já pesquisei tudo sobre o grupo. Me pareceu tudo muito organizado, as pessoas são próximas, tem um clima gostoso. Estou com um bom pressentimento.”