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Saúde mental

Associação de usuários de serviços de saúde mental venderá produção de oficinas terapêuticas

Fotografias, peças de artesanato, pinturas e outras produções de usuários de serviços municipais de atendimento em saúde mental poderão vir a ser comercializadas com a oficialização da Associação Vida, Arte e Reinserção (Assoviar). - Na imagem, Eunice Curitiba, 30/03/2016 - Foto: Luiz Costa/SMCS

Fotografias, peças de artesanato, pinturas e outras produções de usuários de serviços municipais de atendimento em saúde mental poderão vir a ser comercializadas com a oficialização da Associação Vida, Arte e Reinserção (Assoviar). Os organizadores acreditam que em aproximadamente 30 dias poderão iniciar as atividades e, eventualmente, a venda de produtos confeccionados em cursos e oficinas dos quais participam nos Centros de Atenção Psicossocial (Caps) e Centros de Convivência.

A proposta poderá abranger participantes dos núcleos de fotografia, artesanato, artes visuais e jardinagem existentes nesses equipamentos. Os profissionais dos Centro de Convivência Matriz planejam acrescentar à lista projetos de teatro, de desenho e pintura já em desenvolvimento pela parceria com o núcleo de Terapia Ocupacional da Universidade Federal (UFPR). A associação permitirá aos integrantes buscar novas fontes de renda por mecanismos da economia solidária, ao mesmo tempo em que trabalham a reinserção social, com a reconstrução da autonomia e da autoestima. A economia solidária pressupõe que os integrantes devam deliberar e se responsabilizar coletivamente pela gestão administrativa, de custos, recursos e pela partilha de ganhos.

Assoviar

Com o apoio e a orientação de psicólogos, instrutores, amigos, parentes e de outros profissionais envolvidos no tratamento, os usuários que organizam a associação apresentam, nesta quinta-feira (07), em reunião plenária para aprovação, o estatuto da Assoviar, entidade sem fins lucrativos, mas com perspectivas de geração de renda. Aprovado, será feito o registro e, a partir daí, poderão agregar participantes, buscar parceiros e efetuar vendas, sempre que houver oportunidade.

“É o uso da arte como ferramenta de inclusão social e de reconstrução da cidadania”, explica a psicóloga Patrícia Folly, coordenadora do Centro de Convivência Matriz e do projeto de fotografia Re-Tratos da Rua, que deu origem à associação. Entre os públicos atendidos há usuários em atendimento pelo consumo de álcool e outras drogas e de pessoas que viveram ou vivem em situação de rua. “Com o uso de outras linguagens, esse público consegue interagir no ambiente social de maneira diferente. Cada um lida de um jeito, se identifica com uma linguagem, e encontra um caminho próprio.”

O entusiasmo e a expectativa são grandes para muitos que, “no fundo do poço”, acreditaram que não havia mais “luz no fim do túnel”, como disseram Eunice Saldanha, de 38 anos, e Marcelino Antonio Bespalhok, de 60 anos, participantes da criação da Assoviar. Sem expectativas até ser internado na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Boqueirão por beber durante 20 dias sem se alimentar, Bespalhok conta que depois de consumir álcool por 45 anos, fumar por 40 e estar há quase dois anos livre dos vícios, começou a “ver luz” no curso de fotografia. “O atendimento foi ótimo. Tenho o Caps (Cajuru), o Centro de Convivência (Matriz) como minha segunda casa. Mudou minha vida, significa ter saído do mundo da escravidão do vício para a liberdade, do negro para o colorido.”

Re-Tratos

A iniciativa de criar a Assoviar surgiu entre os próprios usuários da Saúde Mental após participarem do curso de fotografia. Iniciado em outubro de 2014, o projeto culminou na apresentação de uma mostra e na publicação de um catálogo com obras produzidas em 2015, de 42 autores, “Re-Tratos da Rua – A Construção do Olhar Fotográfico de Populações Invisíveis”. Na última semana, alguns dos participantes fizeram a cobertura fotográfica de peças e performances apresentadas nas ruas, durante a 25ª edição do Festival de Teatro de Curitiba.   

“Quando essas pessoas, chamada de população invisível, deixam de ser cenário e se tornam sujeitos, passam a fazer parte, a reconstruir e resignificar memórias. A fotografia exercita esse outro olhar das coisas, de si mesmos”, explica a psicóloga Patrícia Folly e a socióloga Rosangela Pimentel do Centro de Convivência Matriz. “Pelo projeto vi que eu só olhava, e a fotografia faz você observar, parar e esperar o momento certo”, disse Eunice, enquanto fotografava uma performance nos arredores do antigo Paço Municipal.

Eunice chegou aos 115 quilos e conta ter começado a beber para amenizar dores após uma cirurgia bariátrica. “A gente chega no Caps amedrontada, as pessoas acham que não queremos fazer nada. O Douglas [Frois] me recebeu como cidadã, não como uma alcoólatra. Ele te abraça e trata com respeito. Tenho que estar lá para recuperar a minha vida. É a luz no fim do túnel", diz. Frois foi o curador da mostra e um dos instrutores do curso de fotografia do Centro de Convivência Matriz.

O médico psiquiatra e diretor do Departamento de Políticas Sobre Drogas da Secretaria Municipal de Saúde, Marcelo Kimati Dias, idealizador do Re-Tratos, lembra que este é um dos projetos, dentro de um conjunto que integra o programa desta gestão Curitiba Mais Humana, o qual envolve o exercício de “superação da invisibilidade” de populações estigmatizadas.

“A invisibilidade daqueles expostos ao estigma de encontrarem-se numa condição marginal. (...) Parte do debate procura diferenciar dois processos simultâneos, o de invisibilidade e o de naturalização, já que ambos culminam na construção de uma insensibilidade social quanto à condição de pessoas que se encontram fora do sistema de produção e consumo no cenário urbano”, escreveu o médico na apresentação do catálogo da mostra.