Na natureza, nada se perde, nada se cria, tudo se transforma. E na moda também tem que ser assim. Com essa ideia em mente, um grupo de estilistas e designers da cidade está transformando o Centro Histórico de Curitiba em referência no chamado “slow fashion”, contraponto ao “fast fashion”, que surgiu em todo o mundo para incentivar o consumo mais consciente da moda e valorizar os criadores locais.
Os portões sempre abertos são um convite para curitibanos e turistas visitarem a Casa 102, um coletivo que reúne, na charmosa Rua Júlia da Costa, no São Francisco, ateliês, coworking, encontros culturais, bazares, oficinas e empreendedorismo criativo, além de ser um reduto de marcas independentes que expõem suas criações. “Os integrantes da Casa 102 acreditam no slow fashion, que valoriza a produção local e a proximidade entre o criador e o consumidor final”, afirma Daiana Lopes, 32 anos, coordenadora do coletivo da capital.
Integrante do Vale do Pinhão, o movimento da Prefeitura e do ecossistema de inovação da capital para transformar Curitiba na cidade mais inteligente do pais, o coletivo Casa 102 utiliza redes de fornecedores próximos da produção e do consumo para trabalhar com matéria prima reciclada para oferecer uma moda mais sustentável. “Apostamos no reaproveitamento de materiais, no compartilhamento de projetos coletivos e até mesmo equipamentos. Além disso, o processo de criação, na maioria artesanal, ainda tem como foco a redução do espaço de estoque e de resíduos de produção”, indica Daiana.
Mix
O coletivo reúne 20 marcas de segmentos da economia criativa local, a maioria de moda (12), além de empreendedores que oferecem produtos para cuidados pessoais (3) e artigos para casa (5) – o local ainda conta com escritório para produtores culturais, jornalistas e outros profissionais. No espaço, estão três ateliês de designers da capital: Oficina da Gasp, uma sapataria; Ciganita, marca de acessórios; e Urban Jungle, de itens para casa.
Além disso, grifes fashion curitibanas são residentes da lojinha situada no local. São elas: Herege Clothing, Farrapo UpCycling, Textilaria, Nomah, Chauá, Velvet Underwear, Dion Ochner, Bicyco e Patuá. Há também uma seleção de cosméticos naturais com os rótulos Cuidado Vital, Raiz e Anandani; bem como a Baobá Design, a Gaia Ateliê Botânica (plantas design), a Bee Green (canudos recicláveis) e a CWB3DPrint (objetivos divertidos e coloridos confeccionados em impressora 3D).
Criada há cinco anos por Bruna Andrade, 29 anos; Renan Almeida, 27 anos; e Luan Carfran, 30 anos, a Oficina da Gasp é uma marca curitibana de calçados, bolsas, carteiras, chinelos e pochetes com apelo sustentável. “O couro e tecidos de algodão usados na confecção dos itens são retalhos ou sobras de fábricas de calçados ou estofarias”, explica Bruna. Os três designers criam peças personalizadas e todo o processo de criação é artesanal.
A Casa 102 também é uma celebração de amizade criada no espaço, com troca de informações e parceiras para dar maior visibilidade às marcas e reduzir custos (todos ajudam, inclusive, na organização e limpeza do espaço). “Com isso, conseguimos manter a qualidade através do formato colaborativo”, resume William Cesar Miranda Batista, estilista e fundador da Herege Clothing, voltada para moda feminina e masculina urbana (peças de alfaiataria, tricô e moletons).
Um exemplo recente de parceria é o lançamento de bolsas desenhadas e produzidas em conjunto pela Oficina da Gasp e Farrapo Upcicling, especializada em roupas femininas com tecidos reciclados, muitos deles recuperados de outras peças. “Buscamos incentivar ainda que as grifes com ateliês dividam algumas de suas máquinas, mas o ambiente foi pensado principalmente para ser uma vitrina para as marcas, atender clientes das empresas e servir de coworking para produtores culturais e outros profissionais”, acrescenta Daiana.
De acordo com ela, um dos maiores desafios para a expansão de negócios de moda locais e mais sustentáveis é o apelo junto ao consumidor final. “Os jovens designers precisam tornar visíveis os diferenciais de sustentabilidade de suas peças. É preciso desenvolver diferenciais de identidade de marca, na estética das peças e nos meios de produção. Uma boa comunicação e mais espaços para exposição iriam ajudar a trazer esse valor agregado aos produtos”, conta Daiana. Ela avalia que as conexões oferecidas no Vale do Pinhão poderão ajudar a dar maior visibilidade às marcas que integram o coletivo.
Banco de tecido
A Casa 102 é sede ainda de um dos quatro bancos de tecido do país, que oferecem a um preço acessível sobras de boa qualidade de materiais já usados por fábricas e outros criadores. "Além do preço (R$ 45 o quilo, independente do tipo de tecido), a vantagem é que o acervo conta com materiais exclusivos e antigos, que não podem ser encontrados no comércio tradicional", salienta Daiana. Entre os clientes do banco, estão jovens estilistas, costureiras e figurinistas. Para criar um ciclo sustentável, os consumidores também podem ser doadores de sobras para o banco e, inclusive, podendo trocar os tecidos por créditos para serem usados na loja. “Evitar o desperdício é um dos pontos-chave do consumo consciente", afirma William, da Herege. "Para isso, deve-se fazer o uso integral dos recursos e estender ao máximo a vida útil de qualquer produto, modificando o seu uso e aproveitando ao máximo os materiais usados originalmente", completa Bruna, da Oficina da Gasp.
SERVIÇO: Coletivo Casa 102
Rua Julia da Costa, 102, São Francisco (Centro Histórico).
Horário: das 11h às 19h.
Mais informações: no link.