Nos anos 1980 José Arnaldo Cardoso Nascimento tocava no restaurante Caranguejão. O frio de junho o fazia encolher-se, curvar o corpo para a frente, escondendo-se do vento. “Você parece o Divino do Chico Anysio”, disse um colega músico. A repetição do gesto e do comentário grudou o apelido de “Mestre Divino” no diretor de carnaval da Leões da Mocidade, escola de samba da qual ele participa desde a fundação, em 2007, como alternativa para que os integrantes da Mocidade Azul – impedida por problemas contábeis - saíssem na avenida. A alternativa virou escola nova, de longo nome oficial, a Sociedade Recreativa Beneficente e Cultural Escola de Samba Leões da Mocidade.
Essa história Mestre Divino relembrou na noite de sexta-feira (25), durante o ensaio da escola que, neste 2013, sai com o enredo “Kolody para o Mundo, Helena para os Amigos – Centenário dedicado à Poesia”, em homenagem aos 100 anos que a grande poeta paranaense completaria em outubro de 2012. O samba é de Heitor Hedeke, Marcos Mano e Marquinhos da Engenhoca e o carnavalesco é Kauê Miron.
Nova ainda, a escola do Grupo A não tem “volume de trabalho ou inserção na sociedade suficiente para gerar renda. Mas somos referência na comunidade pela nossa bateria, a Bafo dos Leões, e isso devemos a Mestre Divino”, diz o divulgador José Airton Amorm, cuja mulher, Ione Therezinha Jacobsen Dornelles, aprendeu bateria nas aulas da Oficina de Percussão, um Ponto de Cultura apoiado pela Fundação Cultural de Curitiba desde 2010 e tocado por Mestre Divino, no bairro Boqueirão. “Foi um sonho que realizei aos 56 anos”, diz Ione.
Mestre Divino também pertence à Ala dos Compositores da União da Ilha, do Rio de Janeiro. Alagoano de Rio Largo,“cidade que a inundação levou”, veio morar em Paranaguá aos 4 anos e está em Curitiba desde 1959. Já em Paranaguá via o desfile dos blocos e aqui, adolescente, foi procurar a Escola de Samba Colorado, na qual estreou como ritmista “porque estava faltando gente, isto era 1961 ou 62”. Barrado no ano seguinte, tratou de aprender música de verdade “e isso já faz 52 anos, 38 ou 40 deles no carnaval”, recorda.
Ensaio
“Acaso. A inspiração/irmã do vento/sopra onde quer”. O poema de Helena Kolody dá as boas-vindas no salão emprestado para os ensaios da escola, na Rua Anne Frank, no Boqueirão. O presidente Vilmar Alves diz ao microfone que “aqui as portas estão abertas. Quem entrar será bem vindo”. Gente de outras escolas circula pelo ensaio, reconhecida e cumprimentada pela “grande família” da Leões da Mocidade.
Quem entra no salão vai direto “pedir a bênção” à Odaléia Libânio, matriarca da família, sentadinha e de olho vivo em tudo. “São sete mulheres para o samba, só tive filhas graças a Deus, homem atrapalha demais”, diz, enquanto as descendentesde três gerações vão tomando seus lugares no salão. Carlos Libânio, pai e filho, já falecidos, fundaram em 1974 a Escola de Samba Unidos do Boqueirão, no Alto Boqueirão. E os remanescentes da extinta escola vão aos poucos se agregando à Leões da Mocidade, no bairro vizinho.
E começa a bateria de Mestre Divino. Ele dirige “de 46 a 50 pessoas na avenida, umas 30 aqui por ensaio”. Tem homem, mulher, criança, idoso tocando caixa, repinique, surdo, tamborim, chocalho. Marquinhos é veterano no samba. Seu pai, Celso Luiz Bientinezi, carregava-o ainda bebê aos ensaios da antiga Escola de Samba D. Pedro II, onde “eu chorava quando a bateria parava, dormia quanto ela tocava”. Ao longo dos anos, participou de alas do carnaval carioca. Não é para menos que hoje ele diz “Carnaval para mim é tudo, vem de lá, arrepia quando escuto a bateria”.
Wannelly Cruz, a primeira porta-bandeira com o mestre-salaJeandro, também leva ao ensaio o filho de 10 meses. “Ano passado ela desfilou grávida”, contam os amigos da escola. O segundo casal de porta-bandeira e mestre-sala é formado por Viviane Zanini e Jean Carlos Gomes. Ele tem 21 anos, mas está na escola desde os sete – primeiro na Mocidade Azul, da qual seu pai, Valdir Gomes, era presidente e, desde a fundação, na Leões da Mocidade. Aos seis meses já frequentava os ensaios. Tocava na bateria e em 2003, aos 12 anos, foi aprender a ser mestre-sala “meio forçado” pelo pai, a quem hoje agradece. Ele faz faculdade de Educação Física e trabalhava numa transportadora, mas para o carnaval “larguei tudo há quatro semanas, trabalho, família. Porque carnaval pra mim é tudo, nem tenho palavras para descrever o carnaval”.